Evangelho de Tomé – Logion 108

Pla

Jesus disse: O que mata sua sede em minha boca se tornará como eu, e eu também me tornarei ele; e o que está oculto se revelará.

Puech

108. Jésus a dit : Celui qui s’abreuvera à ma bouche deviendra [« deviendra » ou « sera »; «je deviendrai » ou «je serai ».] comme moi, et, moi aussi, je deviendrai [« deviendra » ou « sera »; «je deviendrai » ou «je serai ».] lui, et les choses cachées se révéleront à lui.

Suarez

1 Jésus a dit : 2 celui qui boit de ma bouche 3 deviendra comme moi; 4 moi aussi je deviendrai lui, 5 et ce qui est caché lui sera révélé.

Meyer

108 (1) Jesus said, “Whoever drinks from my mouth will become like me; (2) I myself shall become that person, (3) and the hidden things will be revealed to that person.” [Cf. [Gospel of Thomas 13->breve6753]; John 4:13–14; 7:37–39; Sirach 24:21]

Canônicos

Ora, no seu último dia, o grande dia da festa, Jesus pôs-se em pé e clamou, dizendo: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. (Jo 7,37)

jn.7.37 εν δε [AND IN] τη [THE] εσχατη [LAST] ημερα [DAY] τη [THE] μεγαλη [GREAT] της [OF THE] εορτης [FEAST] ειστηκει ο [STOOD] ιησους [JESUS,] και [AND] εκραξεν [CRIED,] λεγων [SAYING,] εαν [IF] τις [ANYONE] διψα [THIRST,] ερχεσθω [LET HIM COME] προς [TO] με [ME] και [AND] πινετω [DRINK.]


Comentários

Roberto Pla

O logion aborda a consumação da unidade perfeita segundo foi pedida por Jesus em sua magna oração: “que sejam perfeitamente um”.

E eu lhes dei a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um; eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, a fim de que o mundo conheça que tu me enviaste, e que os amaste a eles, assim como me amaste a mim. (Jo 17,22-23)

Realizar a unidade perfeita é a obra designada ao homem, e os trabalhos encaminhados de um viver que de outro modo aparece em grande medida vazio de sentido.

O Caminho verdadeiro do homem é consumar-se na unidade perfeita. Ao não levar em conta esse propósito ocorre que os passos que cada homem dá na vida permanecem privados de um projeto superior que os redima; isso equivale a viver no vazio, sem o alento que traz o fato bem-aventurado de cumprir a obra de unidade para a que todos os homens fomos convocados ao nascer.

A consumação da unidade perfeita só pode cumprir-se se os passo até esta unidade se endereçam justamente a revelar o que está oculto: o Filho do homem imanente-transcendente.

Se diz que o Filho do homem está “oculto” porque a consciência do homem “natural” o ignora, embora seja o “si mesmo”. Isto é descobrir o vínculo verdadeiro e único da unidade perfeita.

Descobrir é igual a consumar. Se descobre com esses olhos avançados do conhecimento. O verdadeiro conhecer é idêntico ao ser, um conhecer fundo que exige uma realização direta, uma transformação que converte em manifesto o que estava oculto.

A transformação é aquela consumação pela qual cada um acede a ser o que é e não o que creia ou queira ser. Este é um ser atemporal que equivale a conhecer e cumprir em seu sentido direto o significado do verdadeiro nome de Deus: Eu sou o que sou.

Na revelação neotestamentária essa realização direta se denomina “comer”, ou também “beber”, pois ambas formas são o alimento de Vida que há de se receber e assimilar para chegar a essa transformação que converte em manifesto o Ser real, até então oculto. Esta realização é o pão do céu que todo homem necessita receber cada dia para transformar-se, e a água que brota para Vida eterna quando se busca, e que acalma a sede para sempre.

Também está a serviço desta realização a carne e o sangue verdadeiros que espírito e Vida. O Filho do homem serve de alimento e se sangra de verdade para que a unidade que consiste em realizar-se como Eu sou o que sou, possa ser consumado por todos.

O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida. (Jo 6,63)

Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. (Jo 6,53)

O comer e beber (v. alimento) o espírito e a Vida, o receber e assimilar o Filho do homem — o Cordeiro de Deus — até ser “um”, é o que o logion explica como “beber na boca” de Jesus o Vivente. Como foi dito no evangelho, o pedaço molhado em seu prato que Jesus dá (Judas), serve para lançar às trevas de fora ao Príncipe deste Mundo. Essa é a expulsão prévia e necessária para que a Glória que o Pai deu ao Filho invada ao homem e o transforme ao torná-lo perfeitamente uno.


Isto é o que confirmou Jesus naquela “noite” em que Judas-Satã tomou o pedaço molhado em seu prato que Jesus o deu, e que o permitiu ao rabi dizer depois: “Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus foi nele glorificado (Jo 13,31; Judas).

A explicação da unidade perfeita que dá o logion, tem duplo sinal: “(Ele) se tornará como eu, e eu também me tornarei como ele”.

A Glória é o manto de luz em que se envolve o Pai, e por conseguinte, a Glória, seu resplendor, é o Filho, cuja natureza, idêntica à do Pai, é luz e sabedoria. Por isso diz o autor da epístola aos hebreus que o Filho é o resplendor da Glória do Pai — a Glória, portanto, posto que a Glória é resplendor — o qual, o Pai, é “luz de luz”.

Tudo isto é sabido pela exegese manifesta. Mas do que tentamos falar aqui não é de “saber”, enquanto este “saber” é só o primeiro grau do conhecer, senão que falamos de “ser”, fazer-se “um”, por alimento e assimilação do resplendor da Glória que é o Filho do homem. Esta consumação devia ter começado já a cumprir-se em Paulo Apóstolo quando diz: “Os sofrimentos do tempo presente não são comparáveis com a Glória que se há de manifestar em nós” (Rm 8,18).

O “sofredor” Paulo era naquele tempo, segundo parece, os conteúdos de si mesmo que nele permaneciam separados ainda, sem consumar-se na unidade; e a Glória percebida ou assimilada, era o Filho do homem feito já manifesto em seu si mesmo (no si mesmo de Paulo) ainda que somente fora no grau leve de levantar-se uma ponta de véu.

Das duas maneiras de unidade das que o logion fala, a que se explica como “eu” (Cristo) “me tornarei ele”, é aquela de ordem subjetivo que João Batista menciona quando diz: “É preciso que ele cresça e que eu diminua”.

O Batista foi tomado às vezes pelos evangelistas como “figura” da consciência “natural”, mas já alerta, desperta, vigilante; essa consciência que já não quer estar dormida em muitos de nós, “para dar testemunho da luz”, e para que assim muitos cheguem a crer na luz.

Mas essa consciência natural é a que ao final tem que morrer, minguar pelo menos, para que a luz da Glória que está oculta em nós desde o princípio se manifesta. Isto é o que quis dizer Jesus quando a formou: “Lhes dei a Glória que tu me deste”.

Se esta Glória que nos dá o Filho do homem e que nos manifesta idênticos a ele na natureza essencial não estivesse em nós de antemão, ainda que oculta, não seria possível que a manifestação da Glória, que é a unidade porque é o resplendor sem fronteiras, se consumasse. A natureza não pode ser transformada, senão revelada.

Quando se diz que o Filho do homem nos dá a Glória, o que se quer dizer que nos dá é o trânsito, para que assim, o que está em nós a sementa oculta — como o Filho do homem o é para nossa consciência natural — passe a ser fruto de transformação. Isto é o que explica o Batista com sua advertência: “Ninguém pode receber nada se não se lhe deu do céu”.

Talvez convenha que se insista nisso, porque é capital: A transformação consiste em que a Glória que está oculta, se revele, como uma imagem que por estar sob as águas turvas não pode ser distinguida. Só a ação da fé e o conhecimento abre as vias para sua manifestação; mas não é transformada senão levantada à superfície. Paulo Apóstolo explica muito bem isto: “Refletimos como em um espelho a Glória de Deus (e) nos vamos transformando nessa mesma imagem” (2Co 3,18).

Na linguagem joanica, este “minguar” para que o Filho do homem cresça, se converte em uma torrente de Glória que invade a consciência do homem e a transforma. Jesus o explica assim: “Se alguém me ama, guardará minha Palavra, e meu Pai o amará e faremos morada nele” (Jo 14,23).

Fazer morada ao Pai e ao Filho, os quais são um só, significa que a boa semente semeada no princípio se manifestou ao final, convertida em fruto. A alma que se negou a si mesma e chegou a ser “como nada”, terá recebido a luz para ser “como tudo” e consumar a previsão de Jesus o Vivente: “Ele se tornará como eu”.

Para este sinal da unidade é necessário que a consciência conheça por realização direta a “Plenitude do que preenche tudo em tudo” (Ef 1,23), para consumar assim a venturosa realidade de que o universo inteiro está pleno da “presença” de Deus.

O autor da carta aos efésios deve ter contemplado esta “presença” e por isso subiu até o nível de seu olhar o amor de Cristo (oculto e manifesto) que excede a todo conhecimento, pelo que disse “é possível preencher-se até a total Plenitude de Deus”.

“A palavra de nosso Deus permanece
para sempre,
seja na erva que se seca
ou na flor que se murcha.”

Leloup

  • Devemos nos assimilar ao Cristo, a nos deixar totalmente in-formar por sua palavra, se torna Ele…
  • Elevar a palavra ao sopro que está na boca mesma do Cristo.
  • A tradição judaica diz que Moisés morreu de um “beijo de Deus”: a borboleta entrou na Sarça Ardente e se tornou fogo.

Gillabert

  • O memorial de Paulo Apóstolo que é próximo daquele dos essênios, se inspira do Êxodo e do Deuteronômio, lembrando a aliança de um povo com seu Deus:
    • Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. (1Co 11,25)
    • E este dia vos será por memorial, e celebrá-lo-eis por festa ao Senhor; através das vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo. (Ex 12,14)
    • Nela não comerás pão levedado; por sete dias comerás pães ázimos, pão de aflição (porquanto apressadamente saíste da terra do Egito), para que te lembres do dia da tua saída da terra do Egito, todos os dias da tua vida. (Deut 16,3)

Puech

  • Parece que “matar sua sede na fonte” que jorra, emana de Jesus, equivale a “matar sua sede na boca mesma dele”, mas nota-se que em tal ato, em tal privilégio, se tem o efeito de abolir toda desigualdade entre Mestre e discípulo, identificando um ao outro.
  • Encontra-se algo semelhante em outros textos gnósticos como na liturgia de Marcos, citada por S. Irineu, onde o iniciador dirigindo-se ao neófito ao qual quer fazer descer a graça, o influxo e os poderes espirituais, lhe diz: “É necessário que sejamos constituídos em um… Prepare-se a fim de que sejas aquilo que sou, e eu aquilo que tu és”.
  • Veja também afirmações como esta na Pitis Sophia e no Evangelho de Eva
  • Vide Logion 77 e Logion 30