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Jesus disse: O que mata sua sede em minha boca se tornará como eu, e eu também me tornarei ele; e o que está oculto se revelará.
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Roberto Pla
O logion aborda a consumação da unidade perfeita segundo foi pedida por Jesus em sua magna oração: “que sejam perfeitamente um”.
E eu lhes dei a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um; eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, a fim de que o mundo conheça que tu me enviaste, e que os amaste a eles, assim como me amaste a mim. (Jo 17,22-23)
Realizar a unidade perfeita é a obra designada ao homem, e os trabalhos encaminhados de um viver que de outro modo aparece em grande medida vazio de sentido.
O Caminho verdadeiro do homem é consumar-se na unidade perfeita. Ao não levar em conta esse propósito ocorre que os passos que cada homem dá na vida permanecem privados de um projeto superior que os redima; isso equivale a viver no vazio, sem o alento que traz o fato bem-aventurado de cumprir a obra de unidade para a que todos os homens fomos convocados ao nascer.
A consumação da unidade perfeita só pode cumprir-se se os passo até esta unidade se endereçam justamente a revelar o que está oculto: o Filho do homem imanente-transcendente.
Se diz que o Filho do homem está “oculto” porque a consciência do homem “natural” o ignora, embora seja o “si mesmo”. Isto é descobrir o vínculo verdadeiro e único da unidade perfeita.
Descobrir é igual a consumar. Se descobre com esses olhos avançados do conhecimento. O verdadeiro conhecer é idêntico ao ser, um conhecer fundo que exige uma realização direta, uma transformação que converte em manifesto o que estava oculto.
A transformação é aquela consumação pela qual cada um acede a ser o que é e não o que creia ou queira ser. Este é um ser atemporal que equivale a conhecer e cumprir em seu sentido direto o significado do verdadeiro nome de Deus: Eu sou o que sou.
Na revelação neotestamentária essa realização direta se denomina “comer”, ou também “beber”, pois ambas formas são o alimento de Vida que há de se receber e assimilar para chegar a essa transformação que converte em manifesto o Ser real, até então oculto. Esta realização é o pão do céu que todo homem necessita receber cada dia para transformar-se, e a água que brota para Vida eterna quando se busca, e que acalma a sede para sempre.
Também está a serviço desta realização a carne e o sangue verdadeiros que espírito e Vida. O Filho do homem serve de alimento e se sangra de verdade para que a unidade que consiste em realizar-se como Eu sou o que sou, possa ser consumado por todos.
O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida. (Jo 6,63)
Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. (Jo 6,53)
O comer e beber (v. alimento) o espírito e a Vida, o receber e assimilar o Filho do homem — o Cordeiro de Deus — até ser “um”, é o que o logion explica como “beber na boca” de Jesus o Vivente. Como foi dito no evangelho, o pedaço molhado em seu prato que Jesus dá (Judas), serve para lançar às trevas de fora ao Príncipe deste Mundo. Essa é a expulsão prévia e necessária para que a Glória que o Pai deu ao Filho invada ao homem e o transforme ao torná-lo perfeitamente uno.
Isto é o que confirmou Jesus naquela “noite” em que Judas-Satã tomou o pedaço molhado em seu prato que Jesus o deu, e que o permitiu ao rabi dizer depois: “Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus foi nele glorificado (Jo 13,31; Judas).
A explicação da unidade perfeita que dá o logion, tem duplo sinal: “(Ele) se tornará como eu, e eu também me tornarei como ele”.
A Glória é o manto de luz em que se envolve o Pai, e por conseguinte, a Glória, seu resplendor, é o Filho, cuja natureza, idêntica à do Pai, é luz e sabedoria. Por isso diz o autor da epístola aos hebreus que o Filho é o resplendor da Glória do Pai — a Glória, portanto, posto que a Glória é resplendor — o qual, o Pai, é “luz de luz”.
Tudo isto é sabido pela exegese manifesta. Mas do que tentamos falar aqui não é de “saber”, enquanto este “saber” é só o primeiro grau do conhecer, senão que falamos de “ser”, fazer-se “um”, por alimento e assimilação do resplendor da Glória que é o Filho do homem. Esta consumação devia ter começado já a cumprir-se em Paulo Apóstolo quando diz: “Os sofrimentos do tempo presente não são comparáveis com a Glória que se há de manifestar em nós” (Rm 8,18).
O “sofredor” Paulo era naquele tempo, segundo parece, os conteúdos de si mesmo que nele permaneciam separados ainda, sem consumar-se na unidade; e a Glória percebida ou assimilada, era o Filho do homem feito já manifesto em seu si mesmo (no si mesmo de Paulo) ainda que somente fora no grau leve de levantar-se uma ponta de véu.
Das duas maneiras de unidade das que o logion fala, a que se explica como “eu” (Cristo) “me tornarei ele”, é aquela de ordem subjetivo que João Batista menciona quando diz: “É preciso que ele cresça e que eu diminua”.
O Batista foi tomado às vezes pelos evangelistas como “figura” da consciência “natural”, mas já alerta, desperta, vigilante; essa consciência que já não quer estar dormida em muitos de nós, “para dar testemunho da luz”, e para que assim muitos cheguem a crer na luz.
Mas essa consciência natural é a que ao final tem que morrer, minguar pelo menos, para que a luz da Glória que está oculta em nós desde o princípio se manifesta. Isto é o que quis dizer Jesus quando a formou: “Lhes dei a Glória que tu me deste”.
Se esta Glória que nos dá o Filho do homem e que nos manifesta idênticos a ele na natureza essencial não estivesse em nós de antemão, ainda que oculta, não seria possível que a manifestação da Glória, que é a unidade porque é o resplendor sem fronteiras, se consumasse. A natureza não pode ser transformada, senão revelada.
Quando se diz que o Filho do homem nos dá a Glória, o que se quer dizer que nos dá é o trânsito, para que assim, o que está em nós a sementa oculta — como o Filho do homem o é para nossa consciência natural — passe a ser fruto de transformação. Isto é o que explica o Batista com sua advertência: “Ninguém pode receber nada se não se lhe deu do céu”.
Talvez convenha que se insista nisso, porque é capital: A transformação consiste em que a Glória que está oculta, se revele, como uma imagem que por estar sob as águas turvas não pode ser distinguida. Só a ação da fé e o conhecimento abre as vias para sua manifestação; mas não é transformada senão levantada à superfície. Paulo Apóstolo explica muito bem isto: “Refletimos como em um espelho a Glória de Deus (e) nos vamos transformando nessa mesma imagem” (2Co 3,18).
Na linguagem joanica, este “minguar” para que o Filho do homem cresça, se converte em uma torrente de Glória que invade a consciência do homem e a transforma. Jesus o explica assim: “Se alguém me ama, guardará minha Palavra, e meu Pai o amará e faremos morada nele” (Jo 14,23).
Fazer morada ao Pai e ao Filho, os quais são um só, significa que a boa semente semeada no princípio se manifestou ao final, convertida em fruto. A alma que se negou a si mesma e chegou a ser “como nada”, terá recebido a luz para ser “como tudo” e consumar a previsão de Jesus o Vivente: “Ele se tornará como eu”.
Para este sinal da unidade é necessário que a consciência conheça por realização direta a “Plenitude do que preenche tudo em tudo” (Ef 1,23), para consumar assim a venturosa realidade de que o universo inteiro está pleno da “presença” de Deus.
O autor da carta aos efésios deve ter contemplado esta “presença” e por isso subiu até o nível de seu olhar o amor de Cristo (oculto e manifesto) que excede a todo conhecimento, pelo que disse “é possível preencher-se até a total Plenitude de Deus”.
“A palavra de nosso Deus permanece
para sempre,
seja na erva que se seca
ou na flor que se murcha.”
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