José A. de Aldama — Maria na Patrística dos séculos I e II Contribuição e tradução de Antonio Carneiro
Este parece ser o momento oportuno para recolher o que se pensava no século II sobre a origem davídica de Maria. Como vimos, tanto São Irineu quanto Justino afirmam sem discussão que Maria procedia da casa de David. Ambos vem precisamente nesse fato o cumprimento das profecias e das promessas que foram feitas aos patriarcas, e em especial ao próprio rei-profeta.
Santo Inácio parece supor obviamente essa mesma ascendência davídica, ainda que expressamente não o diga. Mais explícito parece ter sido o “Diatessaron” de Taciano. Igualmente a carta apócrifa aos Coríntios que copiam as “Acta Pauli” :
O Senhor nosso Jesus Cristo nasceu de Maria, da semente de David...
“A Natividade de Maria” o dá também certamente. Certo que neste último caso pretendeu Zahn ver uma interpolação posterior. Mas, como o demonstrou Bauer, não se trata de uma frase isolada, mas sim de uma ideia subjacente ao longo de toda a narração, o que faz impossível a interpolação suposta.
Entretanto encontramos antes a mesma ascendência davídica em Maria na “Ascensão de Isaías” :
Vi uma mulher da família do profeta David, cujo nome era Maria (...); e estava casada com um varão com nome de José (...), também da linhagem de David
Os “Testamentos dos XII Patriarcas” enunciam idêntica persuasão:
E vi que de Judá nasceu uma Virgem, que levava um vestido de linho fino; dela nasceu um cordeiro sem mancha
Neste tempo conhecemos a opinião contrária unicamente a da “Carta de Barnabé” , que, em sua paixão anti-judaica, parece negar, não já de Maria, mas sim do próprio Jesus, a descendência davídica:
Como queira, pois, que haveriam de dizer que Cristo é filho de David, o próprio david, temendo e compreendendo o extravio dos pecadores, profetiza e diz: Disse o senhor a mim Senhor... Olha como david o chama de Senhor e não o chama filho.
Mas, ainda neste caso, o autor só tem à vista uma filiação davídica que negue a filiação divina. É o caso da pergunta feita aos judeus pelo próprio Jesus (Mt 22,42s).
Contrária era também, ao que parece, segundo dissemos, a opinião dos ebionitas. À ela deve referir-se Orígenes quando escreve:
“Verum occurrunt nobis quidam quaestiones acerbissimas commoventes, quomodo videatur Christus descendere ex semine David, quem constat non esse ex Ioseph natum; in quem Ioseph series ex David descendentis generationis adducitur ”.
Orígenes, que prefere dar uma solução a base de interpretação alegórica do texto de São Paulo, que está comentando, nos conserva, no entanto, a solução que se costumava dar então à dificuldade: a descendência de david vem a Jesus por Maria, que tinha que ser da casa de David ao estar em matrimônio com José, quem certamente o era, como o provam as genealogias. Nem se acreditava então que fora uma dificuldade insuperável o parentesco de Maria com Isabel (Lc 1,36), que era da tribo de Levi; pois não todo parentesco arguía necessariamente comunidade de tribo.
Se realmente os ebionitas arguiam assim contra a concepção virginal, explica-se bem a insistência de São Irineu em afirmar que Maria era da casa de David.