Apostolado — Começo da subida a Jerusalém — A visita às cidades e casas do caminho (Mt X,11-14; Lc X, 4-7) Em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai saber quem nela é digno, e hospedai-vos aí até que vos retireis. E, ao entrardes na casa, saudai-a; se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se não for digna, torne para vós a vossa paz. E, se ninguém vos receber, nem ouvir as vossas palavras, saindo daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés. (Mt 10:11-14)
a) A cidade é uma conjunção de casas e cada “casa” é em ocasiões, segundo a linguagem evangélica que já conhecemos, um homem “completo”. O “digno” acerca do qual há que se informar, é o que Lucas denomina “um filho de paz”, quer dizer, aquele que recebe de Cristo a liberdade e a bem-aventurança de acordo com o que foi dito: “A paz os deixo, minha paz os dou” (Jo 14,27). Na “casa” onde floresce poderosa essa paz que não a dá o mundo, senão o Filho, é onde diz Jesus a seus Doze e a seus Sete que ali “repousem, até que saiam da “casa”.
b) A saudação de um filho de paz, é sempre paz do Filho, que é o único que pode deixar a paz. Se a “casa”que recebe a saudação é digna dessa paz, a saudação repousará sobre o filho de paz dessa “casa”; mas se não é digna, então a paz do Filho voltar-se-á a sua origem, pois ela somente permanece quando repousa em um filho de paz.
Esse é o sentido da dupla locução joanica: “A paz os deixo, minha paz os dou”, pois com ela se refere a duas coisas distintas. O Filho “dá” sempre a paz, porque ele é a paz; mas quem não despertou em si mesmo o filho de paz não pode retê-la. Então se diz que a paz — posto que não pôde ser “deixada” — volta-se a sua origem, o Filho, que é a paz.
c) Um filho de paz é uma só coisa com o Filho. Por isso diz Jesus: “quem vos recebe a mim recebe” (Mt 10,40). Por essa mesma razão de ser “uno”, quem não recebe ao filho de paz tampouco recebe a palavra. Em verdade, do pó impuro da “casa”, ou “cidade” onde isto suceda, há que se cuidar sempre.
Ao falar do pó que há que se sacudir dos pés, mencionam aqui implicitamente Mateus e Lucas, em palavras veladas, “o pó do solo” com o qual YHWH-DEUS fez a primeira “forma” para alojar ao Homem feito à imagem no Dia sexto.
O pó do solo do paraíso é, em definitivo, a matéria qualificada, sutil, primeira, na qual ficou “retido” o Homem espiritual, informe, sem contorno. Quando YHWH-Deus insuflou em suas narinas aquele alento de vida chamado nefes, veio a ser ele o pó como a corporeidade tênue de uma alma instintiva, a “nora” mortal e impura da qual falou Miqueias,
Tudo isto já apontamos em outros lugares, e se agora se repete aqui é porque a identificação da consciência do Homem com alguns dos componentes da “casa” — constituídos em um ou outro dos inquilinos — é o que na linguagem evangélica pode denominar-se de certo modo e com sentido “oculto”, a cidade, o povoado, ou inclusive — em acepções muito gerais — a nação.
Com a “casa” e a “cidade” se nomeia, em termos figurados, uma mesma coisa; mas a “casa tem uma significação decididamente subjetiva, ou interior, enquanto que a “cidade”, o “povoado”, ou a “nação”, implicam uma referência objetiva na qual não se menciona o inquilino, senão o estado com o qual o inquilino — a consciência — se identifica.
Ao falar da “cidade”, o discurso de Mateus dos Doze e o de Lucas sobre os Sete, se apartam da expressão subjetiva — a “casa” — para entrar em uma significação coletiva: a “cidade”.