EU SOU A VIDEIRA VERDADEIRA (Jo XV, 1-8)
1 Eu sou a videira, a verdadeira, e o pai, o meu, é o vinhateiro.
2 Toda cepa em mim que não dá fruto,
ele a arranca. E toda aquela que dá fruto ele poda, para que dê mais fruto.
3 Mas vós sois puros,
por causa da palavra que vos disse.
4 Permanecei em mim e eu em vós.
Como a cepa não pode dar
fruto de si mesma se não permanecer na videira,
assim, vós também,
se não permaneceis em mim.
5 Eu sou a videira e vós as cepas.
Quem permanece em mim e eu nele, este dá muito fruto,
porque sem mim nada podeis.
6 Se alguém não permanece em mim, é jogado fora, como a cepa.
Resseca; eles são juntados, jogados ao fogo e queimam.
7 Se permaneceis em mim
e se minhas palavras permanecem em vós, pedi o que quiserdes, e isso vos será concedido.
8 Nisto meu pai é glorificado, que deis muito fruto,
e que sejais meus adeptos. [Chouraqui]
Joaquim Carreira das Neves [CNEJ]
Como aconteceu com o cap. 13, sobre a ceia de Adeus e respectivos monólogos e diálogos e consecutiva unidade literária, também acontece com o cap. 15. A maioria dos autores conclui que a unidade literária vai de 15,1 a 16,4a, mas há divisão de opiniões1. O Jesus joanico abre com a alegoria da videira e dos ramos (15,1-8), centrada no verbo menein-permanecer. assim como os ramos (varas) devem permanecer unidos à videira, também os discípulos a Jesus. Nestes oito versículos, o verbo “permanecer” aparece sete vezes. Os discípulos não se apresentam diante de Jesus ou face a Jesus, mas inseridos no próprio Jesus, como se fossem um só com ele, ou, segundo a metáfora, uma só videira constituída pela cepa e pelos ramos.
Mas, depois, segue-se outra unidade literária (15, 9-17), na dependência da primeira, que versa o tema do “amor”. Do “permanecer em mim-videira”, agora diz-se: “permanecei no meu amor” (vv. 9. 10bis). E como o amor tem exigências, desdobra-se, necessariamente, em mandamentos. A palavra “mandamento” (entolê) aparece três vezes (vv. 10bis. 12) e a unidade termina com o verbo “mandar”: “E isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros” (v. 17).
A terceira unidade literária vai de 15,18-16,4a, cujo tema, voltado para fora, ao contrário das duas outras unidades literárias, visa as perseguições do “mundo” aos discípulos (v. 18:”Se o mundo vos odeia, reparai que, antes de vos odiar, me odiou a mim”; 16,2:”Sereis expulsos das sinagogas…”).
Em 15, 26-27, Jesus anuncia a terceira promessa do Paráclito. Esta unidade corta as duas outras, mas, como vimos, o tema do Paráclito, esparso em cinco pequenas unidades, é o resultado final duma grande elaboração teológica sobre o Espírito a atuar nas comunidades.
Estudemos um pouco melhor esta unidade bíblica de 15, 1- 16, 4a.
Nos vv. 1-8, o que mais surpreende não é tanto a imagem da videira, mas o verbo “permanecer”. Jesus sabe das dificuldades que hão-de aparecer na vida dos discípulos depois da sua partida. E nós já sabemos, tanto pelo evangelho como pelas cartas, que as divisões nas comunidades joanicas (e nas comunidades paulinas) eram fortes; a única videira de Jesus tinha ramos (varas) separados. O apelo de Jesus, pela imagem da videira, é um apelo à unidade dos ramos a Jesus (“permanecei em mim…”) e unidade entre uns e outros (vv. 9-17).
Esta unidade não tem a ver apenas com o Filho mas também com o Pai (15, l: “Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai…v. 2: Ele corta todo o ramo…v. 6: Se alguém não permanece em mim, é lançado fora (pelo meu Pai) (eblêthe exô, no passivo divino)…v. 7: …pedi (ao Pai) o que quiserdes…v. 8: Nisto se manifesta a glória do meu Pai…”. A relação entre o “agricultor” ( o Pai), a videira (o Filho) e as varas (os discípulos) é uma relação de unidade e, por isso mesmo, de vida ou morte, pertença ou não pertença. Mas a “glória” regressa sempre à “fonte” (o Pai).
Roberto Pla: Evangelho de Tomé
Para Roberto Pla, desde a perspectiva oculta, segundo a qual Cristo Jesus é o Filho do Homem desde antes do princípio dos tempos (o filho divino, o espírito essencial de todos e de cada um dos homens) se entende muito bem o sentido belíssimo e profundo do gigantesco símbolo emblemático da “vinha verdadeira”. Os membros (ou ramas) da espécie humana somos sempre nós, os homens. Revestidos de carne, nos auto-contemplamos como sarmentos independentes, rebentos presuntuosos da vinha de Noé; mas a vinha verdadeira, a oculta, a não visível, é sempre o Filho do Homem, cujos sarmentos jamais poderiam dar fruto se não permanecessem na vinha que os vivifica e sem a qual não existiriam. Se os homens insistem em sua desdenhosa independência é porque só sabem olhar o rebento manifesto e não a essência comum e livre que são realmente, a vinha verdadeira, oculta na unidade do Filho.
NOTAS
Moloney, F. J., Ibid. p. 416: “A maior parte dos comentadores dividem 16, 4 em duas partes. O vers. 4a seria a conclusão de 15, 1-16,4a, e 16,4b abriria a secção final do discurso propriamente dito: 16,4b-31. Embora a maioria dos autores defenda 16,4a como conclusão à unidade de 15, 1-16, 4a, há indícios literários de que o corte principal tem lugar em 16, 3, e que 16, 4a introduz a secção de 16, 4-33”. Este autor defende a unidade de 15, 16, 3 partindo do pressuposto da importância de 15, 21: “Mas tudo isto farão (tauta panta poèsousin) por causa de mim, porque não conhecem (oti ouk oidasin) aquele que me enviou” conjuntamente com 16, 3: “E farão isto (tauta poèsousin) porque não conheceram (hoti ouk egnwsan) nem o Pai nem a mim.”Teríamos, assim, uma “inclusão bíblica”, que determinaria o fim da unidade literária. ↩