Escoto Eriugena — Homilias sobre o Evangelho de João
Excertos de
Diálogo com a Samaritana
A mulher é a alma racional (anima), cujo marido (literalmente, vir ou “homem” — com a conotação de “poder ativo” — não maritus ou conjunx) é compreendido como sendo o “animus”, o qual é variadamente denominado ora intelecto (intellectus), ora mente (mens), ora “animus” e frequentemente até mesmo espírito (spiritus). Este é o marido do qual o Apóstolo diz, “A cabeça da mulher é o homem, a cabeça do homem é Cristo, a cabeça de Cristo é Deus”. Em outras palavras, a cabeça da “anima” é o “intellectus”, e a cabeça do intellectus é Cristo. Tal é a ordem natural da criatura humana. A alma deve ser submetida à regra da mente, a mente a Cristo, e assim todo o ser é submetido através do Cristo a Deus o Pai… O Espírito revolve perpetuamente ao redor de Deus e é portanto bem nomeado o marido e guia das outras partes da alma, posto que entre ele e seu criador nenhuma criatura é interposta. A razão por sua vez revolve ao redor do conhecimento e causas das coisas criadas, e o que quer que o espírito receba através da contemplação eterna transmite à razão e a razão consigna à memória. A terceira parte da alma é senso interior, o qual é subordinado à razão como a faculdade que é superior a este, e por meio da razão é também subordinado ao espírito. Finalmente, além deste senso interior na ordem natural está o senso exterior, através do qual toda a alma alimenta e dirige os cinco sentidos corporais e anima todo o corpo. Posto que, portanto, a razão nada pode receber dos dons do alto senão através de seu marido, o espírito, que sustenta o lugar principal de toda natureza, a mulher ou “anima” é justamente ordenada a chamar seu marido ou “intellectus” com o qual e pelo qual ela pode beber dons espirituais e sem o qual ela não pode participar de dons do alto. Por esta razão Jesus diz a ela, “Chame teu marido, e venha”. Não tenha a presunção de vir a mim sem teu marido. Pois, se o intelecto está ausente, não se pode ascender às alturas da teologia, nem participar em dons espirituais.