Escoto Eriugena — Homilia sobre o Prólogo do Evangelho de S. João — Oh abençoado João
Oh abençoado João, não sem méritos és chamado João. O nome João é hebraico. Traduzido ao grego, este nome significa “a quem é dado”. Pois para quem entre teólogos é dado aquilo que a ti é dado? No caso, a penetração nos mistérios ocultos do bem supremo e o tornar íntimo para a mente e os sentidos humanos o que lá revelou-se e declarou-se a ti. A quem mais, eu demando, foi dada tamanha graça e de tal espécie?
Talvez alguns digam que tal graça foi dada ao chefe dos Apóstolos, quero dizer a Pedro, que, quando o Senhor perguntou-o quem ele pensava ser o Senhor, replicou, “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Entretanto pode-se dizer sem temor, penso, que Pedro assim respondendo falou mais como figura de fé e ação do que de conhecimento e contemplação.
Por que? Pela razão óbvia que Pedro está sempre presente como modelo de fé e ação, enquanto João representa o tipo de contemplação e conhecimento. Um inclina-se ao peito de Jesus, que é o sacramento de contemplação, enquanto o outro sempre hesita, que é o símbolo da ação impaciente.
Pois a execução de mandamentos divinos, antes que se tornem habituais, podem abalar o brilho puro da virtude e falsear em seus juízos, obscurecidos pela névoa do pensar atado aos sentidos. A sutileza da mais profunda contemplação, por outro lado, uma vez percebida a feição da verdade, não hesita, nem escapa, nem é jamais obscurecida por qualquer névoa.