Escoto Eriugena — Homilia sobre o Prólogo do Evangelho de S. João
VIII — A conseqüência do Verbo
E qual é a conseqüência do Verbo que foi dito da boca do Altísssimo? Certamente o pai não disse em vão, nem sem frutos nem sem grande efeito, pois mesmo os seres humanos, falando entre si, efetuam algo nos ouvidos de seus ouvintes. Três coisas, portanto, devemos crer e compreender: o Pai dizendo, o Verbo proclamado, e as coisas efetuadas pelo Verbo. O Pai disse, o Verbo deu-se, e todas as coisas são efetuadas. Ouça o profeta dizer: “Pois ele disse e foi feito”. Ou seja: Ele manifestou seu Verbo, pelo qual todas as coisas foram feitas.
E a não ser que sustentes que entre as coisas que são, algumas são feitas pelo próprio Verbo de Deus ele mesmo, enquanto outras de fato são feitas, ou existiram, fora dele — de modo que as coisas que são e não são, são referenciáveis a um único princípio — o Evangelista adiciona a todo sua prévia teologia: “e sem ele nada do que foi feito se fez”. Ou seja: nada foi feito sem ele, porque ele mesmo circunscreve e abrange tudo, e nada pode ser concebido que é co-eterno, consubstancial, ou co-essencial com ele, exceto o Pai e o Espírito que procede do Pai através do Verbo.
Isto é mais fácil de compreender em grego. Pois onde o Latim diz sine ipso (sem ele), o grego diz choris autou, ou seja, fora dele. E similarmente o Senhor ele mesmo diz a seus discípulos: “Sem mim vós nada podeis fazer”. “Vós”, ele diz, “que sem mim não foram capazes de fazer a vós mesmos, o que vós podeis fazer sem mim?” Aqui também o grego não diz aneu mas choris, ou seja, não “sem” mas “fora”.
Por esta razão, portanto, digo que o grego é melhor compreendido, porque aquele que ouve sine ipso pode ainda pensar “sem sua ajuda ou conselho”, assim não atribuindo a ele nem a totalidade nem todas as coisas. Compreendendo extra como “fora”, entretanto, absolutamente nada é deixado de fora que não seja feito em e através dele.