Eckhart: Sermões e Tratados

Apesar de todos os seus afazeres, viagens e responsabilidades institucionais, Eckhart produziu, como outros tantos mestres medievais, uma vasta obra literária. A edição mais crítica começou em 1936 pela Sociedade Alemã de Investigações (Deutsche Forschungsgemeinschaft) e ainda está em curso. São duas grandes partes : a obra latina e a obra alemã. A obra latina já foi concluída, com extremo rigor e minuciosidade. Destacamos os títulos principais:

Prologi in Opus tripartitum. Como o nome diz a Obra tríplice se desmembrava num (1) Opus propositionum que deveria encerrar mil questões. Conhecemos o desenvolvimento apenas do prólogo e da questão, extremamente profunda, Esse est Deus. Em seguida (2) viria o Opus quaestionum: deveria ser uma espécie de Suma Teológica à semelhança a daquela de S. Tomás de Aquino. Não se encontrou nenhum manuscrito. Por fim (3) o Opus expositionum que encerra as grandes exposições do Mestre sobre o Gênesis, o Êxodo, o Livro da Sabedoria e sobre o Evangelho de São João. Dentro desta parte existe ainda um interessante comentário ao Pai-nosso e o esquema de vários sermões latinos.

Collatio in libros Sapientiarum e Quaestiones parisienses são textos acadêmicos; guardam, interesse porque mostram como Eckhart, mesmo nas questões clássicas, é original e já prenuncia suas intuições básicas.

Em latim se publicam ainda Acta et regestes vitam magistri Echardi Mustrantia bem como o Processos contra magistrum Echardum.

A edição das obras em alemão é extremamente dificultosa por razões críticas. Publicaram-se já 86 sermões (Meister Eckharts Predigten em três volumes por J. Quint) e os Tratados (Meister Eckharts Traktate) que serão apresentados por nós em tradução portuguesa pela primeira vez em nossa história linguística:

Daz buoch der götlîchen Tröstung: O LIVRO DA DIVINA CONSOLAÇÃO.

Von dem edlen Menschen: DO HOMEM NOBRE.

Die Reden der Unterweisung: PALESTRAS DE INSTRUÇÃO, CONVERSAÇÕES ESPIRITUAIS.

Von Abgeschiedenheit: DO DESPRENDIMENTO E DA DISPONIBILIDADE.

Existem ainda algumas legendas sobre o Mestre que apresentaremos também em tradução (Eckhart-Legenden).

Lendo-se a produção alemã da Mestre Eckhart destinada preferentemente ao povo ficamos pasmados pelas exigências espirituais e intelectuais que fazia a seus ouvintes. Podemos até compreender as apreensões das autoridades eclesiásticas. Poderiam os simples fiéis captar a mensagem tão profunda de um mestre espiritual tão mergulhado no mistério da unidade de Deus? Aos críticos responde: “Que posso fazer se alguém não me entende?… A mim me basta que em mim e em Deus seja verdadeiro o que digo e escrevo”. No final do LIVRO DA DIVINA CONSOLAÇÃO responde : « Dir-se-á que não se deve falar ou escrever sobre doutrinas profundas para os iletrados. A isso digo : se não é lícito instruir os iletrados, nunca ninguém se fará letrado, e já não haverá quem possa ensinar ou escrever. Com efeito, é por isso que se cuida de instruir os iletrados : para que, de iletrados, se tornem letrados. Se nada houvesse de novo, nada ficaria velho».

Outra vez tranquilizava os fiéis com estas sábias palavras : «Quem não entender este discurso, não se preocupe em seu coração. Enquanto o homem não estiver à altura desta verdade, não entenderá o discurso. Mas não deixa de ser uma verdade desvelada que veio imediatamente do coração de Deus».

Seu intuitus mysticus o fazia entender que as profundezas da alma são habitadas pela Palavra de Deus. Esta nasce sempre de novo na alma dos seres humanos desde que estes criem o espaço interior suficiente e se coloquem na plena disponibilidade. Com isso já entramos a expor, sucintamente, alguns lampejos da mística do Mestre Eckhart.

Excerto da Introdução de Leonardo Boff, da obra que organizou sobre Mestre Eckhart: A MÍSTICA DE SER E DE NÃO TER, Editora Vozes.