Mestre Eckhart — Termos e Noções
VIDE
- CENTELHA DA ALMA
- PEQUENA CENTELHA DA ALMA
Vladimir Lossky
Teologia Negativa e Conhecimento de Deus
Contrariamente ao calor, a luz não se enraíza jamais no ar que ela ilumina; consequentemente, com o desaparecimento do corpo luminoso, o ar que não mais recebe luz mergulhará em seguida nas trevas. Assim mesmo as criaturas não poderiam subsistir um momento sem o influxo existencial da Causa divina. Constituído por sua essência criada, um ente (ens) está nu em relação ao esse que o atualiza: ele só é potência ad esse. Sem luz, quer dizer sem esse, as essências das coisas criadas só são travas: é o ipsum esse que as forma, tornando-as luminosas e agradáveis.
“A Luz do primeiro dia”
Em estudo assim intitulado1, Hilary William retoma os comentários de Mestre Eckhart sobre o Evangelho de João, através do resgate de um notável quadro, do pintor flamengo Geertgen tot sint Jans, denominado “A Natividade de noite” (1455-1465), atualmente conservado na National Gallery de Londres. Este quadro não trata de um nascimento físico, mas da representação de um “mistério”. De fato, nesta imagem, toda luz emana do luminoso filho Jesus, que nada tem de um bebê ordinário: a luz aqui, não é a “luz natural do sol, da lua e das estrelas”, mas a luz da Divindade, “a imagem do Deus invisível, o primeiro nascido de toda Criação”, o Filho, a fonte essencial e a origem da luz e do ser. Deve-se notar a luminosidade intrínseca do bebê, de onde emanam claramente os raios divinos, assim como o fraco esplendor dos minúsculos fogos dos pastores, ao longe, sobre a colina, que denotam a fraqueza da luz natural em contraste com o brilho da “luz do espírito”, denominada também “luz verdadeira”.
img src=”http://hyperlogos.info/img/wiki_up/Geertgen_tot_Sint_Jans_natividade.jpg” /
Deus é invisível, desconhecido, “nenhum homem viu Deus”. Ora, paradoxalmente, como por encantamento, temos aqui “a perfeita imagem do Deus invisível”.
“Quem me vê vê também meu Pai” (Jo 14,9)
“O Filho único, aquele que está no coração do Pai, o faz conhecer” (Jo 1,18)
Pois se a alma está unida a Deus, o que o olhar percebe é uma “pessoa” — cujo interior invisível faz “um com o Pai”. Ora esta união não é a transformação da dualidade em unidade, mas o mistério do Uno em relação com Ele mesmo (a Trindade):
“Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30)
“Eu sou no Pai e o Pai é em mim” (Jo 14,11)
“Deus nasce de Deus, a Luz, da Luz, Uma só Luz, Um só Deus”.
O Filho — este recém-nascido de luz — é a ponte entre o criado (o universo) e o incriado (Deus), e participa perfeitamente dos dois reinos. “Quando lemos que ‘Deus enviou ao mundo seu Filho único’, diz Eckhart, não se deve entender por isto o mundo exterior no qual comeu e bebeu, mas o mundo interior”.
A “Natividade de Noite” mostra maravilhosamente que o conjunto do criado recebe aluz seguno o grau de receptividade ou de proximidade com o divino. Assim a face da santa Virgem e aquelas dos anjos do nível mais elevado estão inteiramente banhadas de claridade e refletem perfeitamente a luz. Muito próximos da Fonte Divina, estão em contato direto com ela. Estão absorvidas, e nada não distrai sua atenção: miraculosamente, é no mundo que testemunham da Presença de Deus.
Todos aqueles que contemplam diretamente a Luz se inclinam diante dela: primeiramente Maria, cujas mãos juntas em um gesto de oração dirigem nossa atenção para a Fonte de Luz; em segundo lugar São José, que se vê atrás de Maria, um pouco mais afastado da Luz mas representado todavia ele também em uma bela atitude de devoção, a mão no coração; enfim, a hierarquia dos anjos, diferentemente iluminados segundo seu nível — há com efeito vários tipos de anjos, e aqueles que contemplam diretamente Deus e níveis na nossa imagem, são ao mesmo tempo diferenciados entre eles e distinguidos do anjo de Anunciação: notemos a este respeito as variações da luz.
Os animais, no centro da imagem atrás da creche, são igualmente interessantes: eles beneficiam eles também de uma visão direta da presença divina, mas devido ao pelo que cobre suas faces não podem refletir a Luz da mesma maneira que os homens ou os anjos (o boi e o asno, tradicionalmente representados lado a lado e calmos, simbolizando os irmãos inimigos reconciliados: os contrários se acordam na visão do Todo).
Enfim, ao longe, percebe-se os pastores, que representam aqueles que vivem mais longe da Divindade, quer dizer no exterior. Como os habitantes da caverna de Platão, percebem “as sombras” deste mundo graças à luz natural dos sentidos, e não podem ver diretamente a “luz verdadeira”. Todavia o anjos da Anunciação aparece ao mesmo tempo diretamente acima do pequenino Jesus e em um outro plano, diretamente acima dos pastores: faz assim a ligação entre o mundo exterior e o mundo interior, e alguns dos pastores buscam proteger seus olhos desta claridade inusitada. Na época em que viveu o Cristo, os pastores eram geralmente considerados como bandidos e párias, e neles se via a parte mais vil e a menos recomendável da humanidade. Nestas condições, se até mesmo os pastores estão preocupados com a Anunciação, é claro que este convite se estende a toda a humanidade.
Traduções em francês
Gwendoline Jarczyk e Pierre-Jean Labarrière
luz, em alemão medieval “lieht”
- SERMÃO I
- SERMÃO II
- SERMÃO XX
- SERMÃO XXIX
luz da alma, lieht der sêle - SERMÃO XIX
luz angélica, luz do anjo - SERMÃO XIX
luz celeste - SERMÃO XXIX
luz divina - SERMÃO XVIII
luz eterna - SERMÃO XII
luz interior - SERMÃO X
luz matutina - SERMÃO XX
luz natural - SERMÃO XVIII
- SERMÃO XIX
NOTAS
FOOTNOTEAREA() /
Publicado na coletânea de ensaios “Voici Maître Eckhart”, dirigida por Emilie Zum Brunn. ↩