Crer [CNEJ]

LOGIA JESUS — CRER EM JESUS (Jo XIV, 10-14)

Joaquim Carreira das Neves: ESCRITOS DE SÃO JOÃO
Neste primeiro discurso, o primeiro versículo abre com três imperativos: “Não se perturbe (mê tarassesthu’) o vosso coração. Crede (pisteuete) em Deus; crede (pisteuete) também em mim”. No v. 27b aparece o mesmo imperativo: “Não se perturbe o vosso coração”, logo seguido de outro imperativo: “nem se acobarde” (deiliátô). No v. 11 aparecem também os dois imperativos do verbo “crer” (“Crede em mim, que eu estou no Pai e que o Pai está em mim; se não fosse por outras razões, crede (em mim) pelas próprias obras (que eu faço)”. Estes imperativos determinam a dinâmica do discurso:Jesus vai deixar os discípulos, mas eles nada devem temer porque, mesmo sem a sua presença física, continua a sua presença na fé em Deus e na fé na sua própria pessoa. Com estes elementos estruturais intitulamos o primeiro discurso: NÃO SE PERTURBE O VOSSO CORAÇÃO.

Jesus sabe que os discípulos são judeus crentes no Deus único do AT. Assim acontece com os primeiros judeus cristãos. A novidade cristã consiste no fato de os judeus cristãos acreditarem em Deus e, da mesma maneira, na pessoa de Jesus. O Jesus joanico já tinha manifestado muitas vezes a relação única entre a sua pessoa e a pessoa do Pai, para escândalo dos judeus (10, 30ss; cf. 5,19ss; 8,16ss. 27. 42ss; 10,17-18. 25-28), mas, agora, vai aprofundar essa relação para que os seus discípulos — os de então e os de sempre — não pensem que ele foi uma figura fugaz, um crucificado falhado, um Messias falso, ou apenas um bom e santo judeu que amava muito a Deus e os seus discípulos. Jesus é bem mais do que tudo isto. E é sobre este “mais” de fé e de cristologia, sempre em torno da relação entre o Pai e o Filho, que os discursos de Adeus nos falam. Mas este tema, por ser central, aclara-se, pouco a pouco, com outros subtemas.

Michel Henry: EU SOU A VERDADE

Que ver o Pai (Mostre-nos o Pai) se transforme na interioridade fenomenológica recíproca do Pai e do Filho (Pai-Filho), e que a esta interioridade que mostramos o caráter radical se associe o conceito de crença — eis o que dá a este uma significação imprevista, aquela que vai receber em todo o cristianismo. Crer não designa o menos saber, homogêneo àquele do mundo mas ainda não realizado ou imperfeito, de sorte que isto em que se crê teria ainda que fazer prova de sua realidade ou de sua verdade, e isso se mostrando definitivamente. Crer não é o substituto de um ver ainda ausente. Crer não designa uma espera, a espera disto que, não sendo ainda visto, o será um dia, em um ver precisamente, na verdade do mundo. Crer, quando isto que é visto já está aí, já visto embora permanecendo incapaz de se tornar visível isto de que se trata, quer dizer o Verbo em sua condição de Verbo, precisamente porque este é em si invisível e que nenhum ver o alcançaria jamais — crer só pode designar a substituição, a um modo de manifestação profundamente inadequado, de uma revelação mais essencial e de uma outra ordem, a saber aquela do Verbo ele mesmo, da Vida ela mesma na medida que ela se auto-revela neste Verbo e sob a forma deste. Se assim é, é somente neste Verbo e por ele que se chega nele. Mais precisamente: é na vida ela mesma e no processo de sua auto-revelação na medida que este processo se cumpre como o Verbo ele mesmo — o Verbo nada mais sendo que o cumprimento efetivo deste processo. Eis porque, segundo uma lógica oculta mas inflexível, a sequência do texto (Mostre-nos o Pai) chama não ao Verbo mas a Deus do qual o Verbo é o Verbo, a revelação (Verbo de Vida). Estas são com efeito as palavras mesmas de Deus, daquele que se mantém no Cristo, o qual, enquanto auto-revelação de deus ele mesmo, se mantém nele, que pronuncia o Cristo: «Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em mim, é quem faz as obras. Crede-me que estou no Pai, e o Pai em mim; crede-me, ao menos, por causa das mesmas obras.» (Jo 14:10-11).