Também é importante perceber, no entanto, que nem Eckhart nem Heidegger olham para a existência cotidiana com desprezo. Para ambos, o cotidiano não é desprezível, mas apenas “derivado”, repousando em bases mais profundas. Para Eckhart, a base da alma não é o oposto ou a contradição de suas faculdades, mas a raiz da qual elas fluem. Que melhor testemunho pode haver da crença de Eckhart na unidade e harmonia que deve existir entre a atividade externa e a quietude interna do que sua inesquecível interpretação da história de Maria e Marta? Eckhart não rejeita a definição aristotélica do homem como o animal racional. Simplesmente nega que isso circunscreva todo o ser do homem. O homem que vive uma vida exteriormente santa e que conforma sua vontade à de Deus é bom; ele simplesmente não é o melhor de todos. Da mesma forma, Heidegger, como Eckhart, está preparado para admitir que a definição do homem como o animal racional não é “falsa” (GA9). Ele afirma que, embora seja uma determinação “correta” do homem do ponto de vista do pensamento “representacional”, há um reino além do pensamento representacional do qual a razão filosófica nada sabe. Nesse reino, o homem é compreendido como uma relação aberta com o próprio Ser, e é com base nessa relação que as relações do homem com os entes se tornam possíveis (GA9). Assim, nem Heidegger nem Eckhart querem se livrar da cotidianidade, mas apenas ver que não seja transformada em um absoluto e que se permita encobrir a base mais profunda do ser do homem.
Cotidianidade [MEHT:160-161]
- A estrutura metafísica da caridade na sua ordem divina [JBCP]
- A estrutura metafísica da caridade na sua ordem humana [JBCP]
- A estrutura teológico-metafísica da mística eckhartiana
- À l’image de Dieu
- A Palavra silenciosa… [ASEC]
- A Prata Perdida (Lc XV, 8-10)
- A questão da encarnação [MHE]
- A religião e o homem [JBCP]
- A Rosa de Silesius e o Dasein de Heidegger [MEHT]
- A subida do Monte Carmelo