CASSIANO — CONFERÊNCIAS
PRIMEIRA CONFERENCIA DO ABADE MOISÉS — DA META E DO FIM DO MONGE
V. Comparação com aquele que se esforça por atingir o alvo
É como os que são hábeis no manejo de armas de arremesso. Quando querem demonstrar a sua perícia diante de um rei deste mundo, esforçam-se por lançar dardos ou flechas em pequenos escudos onde são pintados os prêmios. Estão certos de não poder alcançar o seu fim, o prêmio cobiçado, senão visando diretamente ao alvo . Ganharão o prêmio se puderem realizar o escopo proposto. Se este lhes for subtraído da vista, seja qual for o desvio que afaste o olhar imperito da direção correta, eles não perceberão que se apartaram daquela linha, porque lhes falta o sinal certo que lhes aprove a correção do tiro ou acuse a sua falha.
E assim, ao lançarem no ar e no vácuo seus inúteis arremessos, estão impedidos de distinguir por que erraram ou se enganaram, pois carecem de qualquer indicação do desvio, e o seu olhar confuso não pode ensinar como, desde então, corrigir ou recuar a linha acertada.
Assim também a nossa profissão. Seu fim, segundo o Apóstolo, é a vida eterna, conforme suas próprias palavras: “Tendes por fruto a santidade, e por fim a vida eterna” (Rom 6,22).
Quanto, porem, ao nosso escopo, é a pureza de coração, que ele merecidamente chama de santidade, sem a qual aquele fim não poderia ser atingido. É como se dissesse em outras palavras: Tendes o vosso escopo na pureza de coração e o vosso fim na vida eterna.
Falando, alias, desse escopo, o mesmo Apóstolo emprega o próprio termo, isto é, escopo, de modo bem significativo: “Esquecendo o que esta para trás e lançando-me para a frente, eu sigo sem parar até o fim, para a recompensa a que fui chamado do alto” (Fil 3,13-14). O texto grego e mais claro ainda, trazendo: Kata skopon dioko, isto e, “eu sigo até o fim, segundo o escopo, vale dizer, segunda a determinação que me propus, como se dissesse: “Por este propósito pelo qual esqueço o que ficou pra trás, isto é, os vícios do velho homem, eu me esforço por chegar ao meu fim,que é a recompensa celeste”.
Assim sendo, devemos abraçar com toda energia o que pode nos encaminhar ao escopo da pureza de coração, e evitar tudo que dela nos separa, como pernicioso e nocivo»
É ela a razão de tudo que fazemos e suportamos. É por ela que abandonamos parentes, pátria, honrarias, riqueza, delícias e qualquer prazer deste mundo, para guardar continuamente a pureza de coração.
Se nos propomos esta intenção, os nossos atos e pensamentos sempre irão direito a sua conquista. Mas se ela não estiver constantemente diante dos nossos olhos, não só os nosso trabalhos se tornarão vazios e instáveis e sem nenhum proveito, mas também se levantarão pensamentos de toda sorte e contrários entre si.
Pois é inevitável que a alma, não tendo a que voltar e a que se fixar de preferência, mude a cada hora e a cada minuto, ao sabor da variedade dos impactos que sofre, e logo se transforme, em virtude das influências de fora, na disposição que primeiro lhe ocorra.