Cassiano Collatio XVII

CASSIANO — CONFERÊNCIAS

CONFERÊNCIA XVII — SEGUNDA CONFERÊNCIA DO ABADE JOSÉ — A QUESTÃO DAS DECISÕES

I. A insônia que sofremos

Acabada a conferência precedente, chegou a hora do silêncio noturno. O abade José nos levou a uma cela separada, para que tomássemos o nosso repouso.

Mas o fogo que suas palavras acenderam em nossos corações nos fez passar toda a noite sem dormir. Saímos, então, da cela e nos afastamos cerca de cem passos e nos assentamos num lugar mais retira do. Como as trevas da noite também nos ofereciam a oportunidade para uma conversa particular e íntima, logo que nos sentamos, o abade Germano, entre fortes gemidos, assim falou:

II. Ansiedade do abade Germano à lembrança da nossa promessa.

Que fazemos nós? Eis-nos em grande perigo e forçados a uma triste situação! Os próprios princípios e o comportamento dos santos nos ensinam eficazmente o que é mais salutar para o nosso avanço na vida espiritual; mas a promessa dada a nossos superiores não nos permite escolher o que convém.

Poderíamos, com efeito, nos formar a uma vida e a um propósito mais perfeito, pelos exemplos de tantos e tais homens, se o compromisso que fizemos não nos obrigasse instantemente a voltar ao nosso cenóbio. E uma vez de volta, não nos será mais dada permissão para retornar a este lugar. Se, por outro lado, preferirmos satisfazer a nossos desejos, ficando aqui, que fazemos nós da fidelidade ao juramento?

Porque, a fim de obter licença de visitar rapidamente os santos e os mosteiros desta província, fizemos a nossos superiores o juramento de voltar o mais depressa possível.

Tomados da maior agitação e sem podermos encontrar a devida decisão sobre o estado da nossa salvação, só por nossos gemidos testemunhávamos os apuros em que nos encontrávamos. Acusávamos a fraqueza do nosso ânimo e maldizíamos a nossa timidez natural. Era por causa do seu peso sobre nós que, mesmo em prejuízo da nossa própria utilidade e propósito, não pudemos resistir às preces dos que nos queriam reter, senão prometendo voltar o mais depressa possível. Chorávamos de ter sofrido daquele vício da vergonha, do qual diz a Escritura: “Há uma vergonha que leva ao pecado” (Prov 26,11).

III. O que me pareceu melhor fazer.

Disse eu, então: Para pôr fim às nossas angústias, recorramos ao conselho ou, melhor, à autoridade do ancião, a quem nos cumpre apresentar as nossas inquietações. O que for decidido por sua sentença, ponha fim ao nosso desassossego,como se fosse a resposta do céu. Não devemos duvidar que, vinda pela boca deste santo, ela devei ser atribuída ao Senhor, tanto em consideração do seu mérito, como da nossa .

Por um dom da sua graça, tem acontecido muitas vezes que a consegue um conselho salutar de homens indignos, e a incredulidade, de homens santos. O Senhor concede esta largueza ou por causa do mérito dos que respondem ou pela dos que consultam.

O santo abade Germano recebeu estas palavras com a mesma alegria que teria se eu as dissesse não de mim mesmo, mas por inspiração do Senhor. Aguardando por instantes a chegada do ancião e a hora da sinaxe noturna já bem próxima, e depois que o recebemos com a saudação costumeira e recitamos as oraçoes e os salmos no número prescrito, nos assentamos de novo, segundo o hábito, nas mesmas esteiras em que nos tínhamos recolhido para repousar.