Cassiano Collatio XVI-7

CASSIANO — CONFERÊNCIAS

CONFERÊNCIA XVI — PRIMEIRA CONFERÊNCIA DO ABADE JOSÉ SOBRE A AMIZADE

VII. Não se deve preferir nada à caridade, nem pôr nada abaixo da cólera

Da mesma forma que não se deve preferir nada à caridade, é preciso, ao contrário, nada pôr abaixo do furor e da ira.

Devemos, pois, sacrificar tudo, por mais útil e necessário que pareça, para evitar a desordem da cólera. E tudo que julgamos adverso, importa-nos, ao contrário, assumir e suportar para conservar intacta a tranquilidade da dileção e da paz. Pois é necessário crer que nada é mais danoso do que a cólera e a tristeza, e nada mais proveitoso do que a caridade.

VIII. Quais as causas de dissensão entre os espirituais.

Assim como entre irmãos ainda carnais e fracos o inimigo lança a cólera e a desunião a propósito das coisas vis e terrenas, entre os espirituais, é pela diversidade dos modos de pensar, que ele faz nascer a discórdia.

É disto, sem dúvida, que frequentemente surgem disputas e querelas de palavras que o Apóstolo condena (cf Gal 5,20). Destas, em seguida, o inimigo invejoso e maligno tira ocasião para levar à ruptura irmãos até então unidos numa só alma. É bem verdadeira, com efeito, a sentença do sábio Salomão: “A disputa suscita o ódio, ao passo que aqueles que não disputam, a amizade os protege” (Prov 10,12).

IX. É preciso cortar também as causas espirituais das discórdias.

Assim, não serviria de nada, para guardar uma perpétua e indivisível caridade, amputar a primeira causa de dissídio, que costuma nascer das coisas caducas e terrenas. Nem também permitir aos irmãos, indiferentemente, o uso comum de todos os objetos que nos são necessários, se não cortamos igualmente a segunda causa, que se origina, em geral, da diferença de opiniões nas coisas espirituais, e se não adquirimos em tudo um espírito humilde e o acordo de vontade com os outros.

X. Do melhor modo de procurar a verdade.

Lembro-me bem que, no tempo em que a minha juventude ainda me aconselhava a ter um companheiro, acontecia frequentemente termos sobre assuntos de moral ou de exegese um determinado entendimento que nos parecia o mais verdadeiro e razoável.

Bastava, porém, que nos reuníssemos e passássemos a exprimir abertamente as nossas opiniões, para que, logo, ao examinar em comum certas afirmações, um de nós as acusava de falsas e nocivas e, em seguida, numa decisão conjunta, as condenávamos como perniciosas.

No entanto, elas nos pareciam, de início, brilhantes como uma luz, quando o diabo no-las inspirava, e poderiam facilmente gerar a discórdia, se o preceito dos antigos, que guardávamos como um oráculo divino, não nos prevenisse de toda disputa. Eles, com efeito, prescreviam, como uma espécie de lei, que nenhum de nós confiasse mais em seu próprio juízo do que no do irmão, se não quisesse deixar-se iludir pela astúcia do diabo.