CASSIANO — CONFERÊNCIAS
CONFERÊNCIA XVI — PRIMEIRA CONFERÊNCIA DO ABADE JOSÉ SOBRE A AMIZADE
XVI. O Senhor rejeita a oferenda das nossas orações, se um irmão tem alguma inimizade contra nós.
A tal ponto, com efeito, nosso Senhor não quer que tenhamos desprezo pela tristeza do outro,que, se um irmão tem alguma queixa contra nós, ele não recebe os nossos dons, isto é, não permite que lhe ofereçamos as nossas orações, até que, por uma pronta satisfação, tenhamos tirado do seu espírito a tristeza que ele concebeu justa ou injustamente.
Ele não diz, na verdade, “se teu irmão tem uma verdadeira razão de queixa contra ti, deixa tua oferenda perto do altar, e vai primeiro reconciliar-te com ele”, mas, sim, “se te lembras que teu irmão tem algo contra ti”, isto é, mesmo que seja leve e insignificante e que provocou a indignação do teu irmão contra ti, e isto vier de repente à tua lembrança, saibas que não deves oferecer o dom espiritual das tuas preces antes de fazer desaparecer, por uma satisfação cheia de doçura, a tristeza do coração do teu irmão, qualquer que seja a sua causa.
Se, portanto, a palavra do Evangelho nos manda reparar o agravo feito a irmãos ressentidos mesmo por alguma inimizade passada, de mínima importância e por fúteis razões, o que nos acontecerá, pobres de nós que deixamos, por uma obstinada dissimulação, de reconhecer faltas recentes e gravíssimas cometidas por nossa culpa? Repletos de um orgulho diabólico, temos vergonha de humilhar-nos e negamos a nossa autoria na tristeza do irmão.
Nosso espírito rebelde se recusa, a submeter-se aos preceitos do Senhor, pretendendo que não devemos observá-los ou somos incapazes de cumpri-los. Com isto, porém, julgando que ele nos deu preceitos impossíveis ou inconvenientes, tomamo-nos, como diz o Apóstolo, “não cumpridores, mas juízes da lei” (Ti 4,11).