CASSIANO — CONFERÊNCIAS
CONFERÊNCIA XV — SEGUNDA CONFERÊNCIA DO ABADE NÉSTEROS — DOS CARISMAS DIVINOS
VII. A virtude dos carismáticos não reside nas maravilhas que fazem, mas na humildade
O próprio autor de todos os sinais e virtudes, ao chamar os discípulos a aprender sua doutrina, revela claramente o que devem dele aprender particularmente os seus verdadeiros e seletos seguidores: “Vinde e aprendei de mim” (Mt 11, 28-29) — não, certamente, a expulsar os demônios pelo poder celeste, nem a curar leprosos, nem a iluminar os cegos, nem a ressuscitar os mortes, embora eu opere todos esses prodígios por alguns de meus servos; mas a condição humana não pode participar dos louvores devidos a Deus, como também não podem o ministro e o escravo ter uma parte naquilo que pertence só a divindade. Mas, vós, disse ele, “aprendei de mim” isto, “que sou manso e humilde de coração” (Lc id 29).
Eis, com efeito, o que é possível a todos em geral aprender e praticar, ao passo que os atos de sinais e de virtudes nem sempre são necessários, nem convenientes a todos, nem se concedem a todos.
A humildade é, portanto, a mestra de todas as virtudes, o fundamento inabalável do edifício celeste, o dom próprio e magnífico do Salvador.
Quem, na verdade, pratica, sem perigo de orgulho, todos os milagres que o Cristo operou, e aquele que segue o manso Senhor, não na sublimidade dos prodígios, mas na virtude da paciência e da humildade.
Aquele, porem, que se alvoroça em mostrar que comanda os espíritos imundos ou confere aos doentes os dons da cura, ou faz para as multidões algum sinal maravilhoso, embora invoque em sua ostentação o nome de Cristo, é, na verdade, estranho a Cristo, porque a sua alma soberba não imita o mestre da humildade.
Ao voltar para o Pai, ele quis, por assim dizer, firmar uma espécie de testamento, e este é o legado que deixou a seus discípulos: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei, também vos ameis mutuamente” (Jo 13,34). E acrescenta em seguida: “É nisto que todos reconhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns para com os outros” (id 35). Ele não diz: Se fizerdes igualmente sinais e virtudes, mas “se tiverdes amor uns para com os outros”, o que só pode ser observado com certeza, pelos mansos e humildes.
Assim, os nossos maiores jamais tiveram por virtuosos e isentos de vaidade aqueles monges que proclamam diante dos homens que são exorcistas e divulgam com jactância ostentatória, entre multidões de admiradores, a graça que mereceram ou presumiram. Inútil esforço! Pois “aquele que se apoia em mentiras, se alimenta de ventos; ele persegue aves em voo” (Prov 10,A).
Acontecer-lhes-a, sem dúvida, o que se diz nos Provérbios: “Assim como se reconhecem com a maior facilidade os ventos, as nuvens e as chuvas, assim é manifesto aquele que se glorifica de um falso dom” (25,14).
Portanto, se alguém fizer algum desses prodígios em minha presença, não é pela maravilha dos sinais que ele será digno de louvor, mas pela beleza da sua vida. Não é de se lhe perguntar se os demônios lhe são sujeitos, mas se ele possui os membros da caridade que o Apóstolo descreve.