CASSIANO — CONFERÊNCIAS
CONFERÊNCIA XV — SEGUNDA CONFERÊNCIA DO ABADE NÉSTEROS — DOS CARISMAS DIVINOS
VI. Não se deve julgar o mérito de alguém pelos milagres
Esses grandes homens nada atribuíam a si pelo poder de tais milagres. Confessavam que os faziam não por seu mérito, mas pela misericórdia do Senhor. Refutavam a glória humana diante da admiração causada por seus milagres, tomando estas palavras dos apóstolos: “Irmãos, por que vos admirais disto? ou por que tendes os olhos em nós, como se tivéssemos feito este homem andar por nosso poder ou piedade?” (At 3,12).
Igualmente, não julgavam eles que alguém deve ser louvado pelos dons e maravilhas de Deus, mas, sim, pelos frutos de suas virtudes, que nascem do zelo da alma e das boas obras.
Pois acontece muitas vezes, como acima dissemos, que homens de espirito perverso, condenáveis em matéria de fé, expulsam demônios e operam os maiores milagres. Deles se queixam os apóstolos, quando dizem: “Mestres, vimos alguém a expulsar demônios em teu nome, e proibimos porque não anda conosco” (Lc 9,49). Embora lhes tenha o Cristo respondido na hora: “Não o impeçam, pois quem não é contra vós, é por vós” (id 50), é certo, contudo, que no fim dos tempos, aos que dirão: “Senhor, Senhor, acaso não profetizamos em teu nome? não expulsamos em teu nome os demônios? em teu nome não praticamos tantos milagres?” (Mt 7,22) — ele atesta que responderá: “Não vos conheci jamais; afastai-vos de mim, operários da iniquidade” (Lc id, 23).
Por esta razão, mesmo aqueles a quem Cristo concedeu, em vista dos méritos da sua santidade, a glória dos sinais e dos poderes, são por ele prevenidos para que não se ensoberbeçam: “Não vos alegreis de que os demônios vos são submetidos; alegrai vos, antes, porque os vossos nomes estão escritos no céu” (Lc 10,20).