CASSIANO — CONFERÊNCIAS
CONFERÊNCIA XV — SEGUNDA CONFERÊNCIA DO ABADE NÉSTEROS — DOS CARISMAS DIVINOS
II. Em que se deve admirar os santos
Deste modo, nunca devemos admirar por seus milagres os que se empenham em praticá-los. Devemos, antes, ver se são perfeitos pela correção de todos os seus vícios e pela emenda de sua vida. Isto não é um beneficio obtido pela fé de um outro ou por causas diversas, mas pelo esforço de cada um, com o auxílio da graça divina.
Esta é a ciência prática, que o Apóstolo, usando outro vocábulo, chama de caridade, e que a sua autoridade nos ensina a preferir a todas as línguas dos homens e dos anjos, a plenitude de fé capaz de remover montanhas, a toda ciência e profecia e, enfim, mesmo ao martírio glorioso.
Com efeito, depois de ter enumerado todas as espécies de carismas, dizendo: “A um é dado pelo Espírito uma palavra de sabedoria, a outro uma palavra de ciência, a outro a fé, a outro o dom das curas, a outro o poder de operar milagres” (1 Cor 12, 8-10), ele se prepara para falar da caridade. Prestai atenção como ele, em poucas palavras, a põe acima de todos os carismas: “Agora eu vou mostrar uma via ainda mais excelente” (id 31,10).
Isto demonstra claramente que o cume da perfeição e da bem-aventurança não consiste em operar milagres, mas na pureza da caridade. E não sem razão. Porque os primeiros são destinados ao esvaziamento e a destruição, ao passo que a caridade há de ficar eternamente (Cf 1 Cor 13,8).
Por isto, não vemos os nossos pais irem atrás de obras milagrosas. Ao contrário, quando mesmo a graça do Espírito Santo lhes deu esse poder, eles jamais consentiram em exercê-lo, a não ser em caso de extrema e inevitável necessidade.