Carreira das Neves Logos

JOAQUIM CARREIRA DAS NEVES — ESCRITOS DE JOÃO — LOGOS

Em toda a Bíblia, “Logos” aparece apenas duas vezes com sentido personalizado, precisamente no quarto evangelho, em 1,1.14, sendo o sujeito do Prólogo (Jo 1,1-18). Os filósofos, teólogos e críticos da literatura tratam do Logos em variadíssimos aspectos. Uma vez que o termo significa “palavra”: qual é a relação entre este Logos e o Prólogo, já que o Logos é sempre o sujeito da ação, ou entre o Logos e toda a narrativa do quarto evangelho? Por outro lado, qual será a sua relação com a filosofia de Heráclito e dos estoicos ou com os mitos genesíacos da criação (cf. Gn 1,2,4a), e, ainda, com a literatura gnóstica posterior?

A nível cristão, é compreensível que quem tenha alguma instrução catequética religiosa imediatamente concilie o Logos com a pessoa de Jesus Cristo, mas a verdade é que, no Prólogo, tal conciliação só aparece, e ainda de maneira indireta, no v. 10, e nunca surge como tal nos escritos paulinos, nos Sinópticos e demais escritos do Novo Testamento. O autor implícito do prólogo do quarto evangelho transmite-nos o seu pensamento e a sua afirmando pura e simplesmente verdades teológicas sobre o Logos, mas sem nunca o definir. Para tanto, temos que começar por situá-lo na composição do quarto evangelho, e, depois, tentar compreender o sentido através da literatura teológica das escrituras hebraicas, da filosofia teológica de Filão de Alexandria, o qual, por sua vez, depende da filosofia grega do seu tempo, para concluirmos sobre a novidade cristã do Logos do quarto evangelho.
Um assunto altamente discutido entre todos os comentaristas é o da relação entre o Logos e a pessoa de Jesus Cristo, a que já aludimos. Até ao v. 10, o Logos aparece relacionado com Deus, cocriador, vida e luz dos humanos. Só nos vv. 10-11 os humanos se lhe opõem, e só no v. 14 se afirma explicitamente a incarnação do Logos. E a pessoa de Jesus Cristo só aparece nomeada no v. 17, não diretamente relacionada com o Logos, mas em oposição à pessoa de Moisés. Por tudo isto, os autores concluem que o Prólogo terá obedecido a várias redações. Provavelmente, no início, o seu autor conheceria um hino dedicado ao Logos, na linha da literatura sapiencial, muito difundida em certos sectores judaicos de influência filosófica, cujo expoente é Filão de Alexandria. Este hino terá sido cristianizado posteriormente, tendo o último redator do quarto evangelho achado bem usá-lo na introdução do seu escrito.