Stanislas Breton — Filosofia e Mística
Stanislas Breton
Philosophie et mystique”
Verbo Sentido (verbo-conceito)
Posto que a teoria do verbo mental foi construída para esclarecer o dogma trinitário da processão do Verbo, era normal que se buscasse na experiência humana, em sua maior generalidade, as ilustrações mais apropriadas. Foi preciso assim apelar então a uma metafísica do vivente, tal qual se podia conceber nesta época, com os meios disponíveis que não são os nossos. Ora o intelecto representa, na hierarquia dos graus de vida, a forma mais alta do vivente. Segue-se que se verifica nele, em sua perfeição suprema, a essência da vida, a qual não é somente conservação e crescimento, mas também fecundidade. O intelecto, em seu agir, não podia ser estéril. Fecundo, ele devia se engendrar. Sua progenitura imaterial como ele, não é outra senão o «verbo mental». Um escolástico do século XVII, João de São Tomás, se autorizará da etimologia do termo latino «conceptus» (do verbo concipere) para ler no conceito, tomado em sua espiritualidade, a necessidade de «conceber» e de «engendrar». Esta evidência, sugerida só pela etimologia, podia ser confirmada por um princípio metafísico, indubitável ele também: o princípio segundo o qual, pela conexão do ser e do agir, todo ente é dotado de uma eficiência, ou de uma causalidade. O intelecto, em seu agir, não poderia ser desprovido de um eficiência produtiva. Ora a produção geradora excede o indivíduo, o abre seja à espécie; seja, como é o caso no «verbo mental», à referência semântica.
Por este último traço, o conceito-verbo se aproxima do signo e da semiótica. É um fato que falamos; é um fato que, em falando, queremos dizer algo, e este querer-dizer não é outro senão «significar». Nossas palavras têm portanto um sentido. Ora este sentido, antes de ser materializado em uma voz ou em uma grafia, «subsiste» no intelecto. É compreendido não somente por nós, mas por aqueles que nos escutam e a quem falamos; as traduções de uma língua em outra pressupõem esta unidade e constância do sentido, que é assim dado objetivo que, embora imanente ao intelecto e a seu ato, não se identifica puramente a este. O sentido não é portanto um ato, o verbo mental também não, embora dele proceda, como procede do Pai, na Trindade, o Verbo divino como pessoa distinta.
Esta fecundidade do pensamento é também a expressão que se dá de seu ser e de seu agir como generosidade difusiva de si. Mas esta expressão nada tem de egoísta. Pois ela é, essencialmente, relação, com os humanos como com as coisas. Mas esta relação exige, como toda relação, um fundamento. Este fundamento, não é outro senão um certo traço, essencial ou não, que permite unificar o múltiplo dos singulares, aos quais o verbo-conceito faz necessariamente referência. É que, como lembra S. Tomás, em um texto da Suma Teológica (I, q. 85, a. 4), «o múltiplo enquanto múltiplo não poderia ser pensado, não pode ser senão sob o modo da unidade» (multa ut multa non possunt cogitari sed multa per modum unius). É preciso portanto que os singulares visados pelas referência sejam unificados, previamente, por uma determinação, qualquer que seja sua natureza, que permita à referência sua relação intencional à pluralidade dos singulares. Em resumo, o verbo-conceito deve ter uma compreensão para que possa beneficiar de uma extensão. Ora não há compreensão senão por uma determinação que seja a mesma, enquanto determinação, em cada um dos indivíduos, e que, por aí mesmo, não poderia ser nem um indivíduo, nem uma coleção de indivíduos. Ora é esta condição enigmática do verbo mental que suscitou, no passado como agora, as mais vivas reticências. É precisamente porque o sentido imanente ao verbo-conceito não é nem um singular, nem um existente, que se lhe negou toda consistência para reduzi-lo a uma ilusão, ou à sombra de um fantasma. E em verdade, qual estatuto ontológico pode-se conceber para estas formas de verbo mental que são as «proposições» da lógica, sobre as quais portam nossos juízos? O que é este «complexo significável», este enunciável que será objeto de enunciação, que não é portanto um ato, dele lhe sendo, no entanto, necessariamente pressuposto?
Me limitarei a este último questionamento, sem dar ao problema assim levantado um caráter de insolúvel, ou afetá-lo de uma dúvida de absurdidade. Basta ter assinalado uma dificuldade que, em meu entendimento, não foi inteiramente dissipada pelos mestres medievais que tiveram recurso ao conjunto doutrinal que expus em suas grandes linhas, e que subentende o tema da preexistência. Para fixar o quadro que, a princípio, nos servirá de referencial, sempre subentendido, concluirei este primeiro capítulo por um resumo que sintetizará os dados essenciais. No Prólogo joanino, o Verbo, em seu estatuto ontológico, é definido por uma jogo de preposições: em, junto a, em direção a, por. Posto que tudo foi criado por ele, tudo sem exceção deve portar a marca do Verbo. Segue-se que a criatura em seu conjunto, e os seres espirituais em particular, por conta de seu privilégio ontológico, portam, em seu ser mesmo, a marca do Verbo.
Por conseguinte, não se fica surpreso que as coisas, os eventos, os seres, inferiores ou superiores, incorporem, além de sua singularidade, um verbo que lhes é consubstancial. Compreende-se por aí a teoria, desenvolvida na Idade Média, dos diversos sentidos da Escritura. As coisas elas mesmas, e não somente as palavras ou as frases de uma dada língua, beneficiam de um sentido que lhes é imanente. Tudo isto que vem do Verbo pode portanto ser dito «verbo» por participação. Eis porque, retomei de Mestre Eckhart a expressão, muito expressiva, de «advérbio do Verbo», aplicada a toda criatura. Esta metáfora gramatical, resume, por antecipação, o que teremos a dizer da preexistência.