BOÉCIO (Anicio Manlio Torquato Severino, h.480-525)
C. S. Lewis
Boécio (480-524) é, depois de Plotino, o maior autor do período seminal, e seu De Consolatione Philosophiae 1 foi, por séculos, um dos livros mais influentes já escritos em latim. Foi traduzido para o alto alemão antigo, para o italiano, para o espanhol e para o grego; para o francês, por Jean de Meung; para o inglês, por Alfred,2 Chaucer, Elizabeth I,3 entre outros. [83] Até aproximadamente dois séculos atrás, acredito, seria difícil encontrar um homem culto em qualquer país europeu que não o amasse. Aprender a apreciá-lo é quase “naturalizar-se” medieval.
Boécio, erudito e aristocrata, foi ministro de Teodorico, o Ostrogodo, o primeiro rei bárbaro na Itália; era de religião ariana 4, mas não perseguidor. Como sempre, a palavra “bárbaro” pode confundir. Embora Teodorico fosse analfabeto, passou a sua juventude na alta sociedade bizantina. Foi, em certo sentido, melhor governante que muitos imperadores romanos. Seu reinado na Itália não foi uma simples monstruosidade, como, por exemplo, o governo de Chaka ou Dingaan 5 teriam sido na Inglaterra do século XIX. Era mais como se um líder (papista) montanhês (que tinha adquirido um pouco de educação e gosto por vinho tinto no serviço à França) tivesse reinado na Inglaterra em parte protestante e em parte cética de Johnson 7 Não é de surpreender, entretanto, que a aristocracia romana logo fosse enredada em intrigas com o imperador oriental, na esperança de se livrar desse forasteiro. Boécio, com justiça ou não, ficou sob suspeita. Foi preso em Pavia. Não demorou para amarrarem sua cabeça até que os seus olhos saltassem para fora, e acabaram com ele com uma maça.
Ora, Boécio era sem dúvida um cristão, e até mesmo um teólogo; suas demais obras ostentavam títulos como De Trinitate e De Fide Catholica. Mas a “filosofia” à qual ele se voltou em busca de “consolo” em face da morte contém poucos elementos explicitamente cristãos e até a compatibilidade com a doutrina cristã pode ser questionada.
Tal paradoxo suscitou várias hipóteses. Entre as quais:
[84]1. Que o seu cristianismo era superficial e fracassou quando posto à prova, de modo que ele acabou recaindo no que o neoplatonismo tinha a lhe oferecer.
2. Que o seu cristianismo era sólido como uma rocha e seu neoplatonismo um mero jogo com o qual ele se distraía no calabouço – da mesma forma que outros prisioneiros tinham aranhas ou ratos de estimação.
3. Que os ensaios teológicos não foram, de fato, escritos pelo mesmo homem.
Nenhuma dessas teorias me parece necessária. [“A Imagem do Mundo”]
Thonnard
Um dos grandes pensadores da Idade Média, com domínio da tradição filosófica clássica e iniciado na tradição cristã.
Este cristão, helenista por educação, obteve o favor de Teodorico que o nomeou cônsul em 510 e 522; procurou criar na corte do rei bárbaro um centro de cultura intelectual. Deixou traduções da Isagoge de Porfírio, de certas obras de Aristóteles, provavelmente do Organon, que se perdeu e se voltou a encontrar só no século XII, salvo as Categorias e o Periherménias, utilizados desde o início pelos escolásticos; publicou comentários sobre estas obras, tratados pessoais sobre o silogismo e outros assuntos lógicos e escritos teológicos.
Tendo incorrido no desfavor de Teodorico, foi lançado na prisão, onde escreveu o célebre tratado : ” De consolatione philosophiae “, cujo título indica bem o assunto : ” Boécio, no seu infortúnio, busca a felicidade; consola-o a filosofia ensinando-lhe onde e como ele a encontrara “. Boécio foi executado entre 524 e 526.
Estas obras puseram em circulação grande número de ideias augustinianas e sobretudo aristotélicas : a Idade Média até ao século XIII, apenas por ele conheceu Aristóteles; deu aos escolásticos várias definições célebres, a da beatitude : ” Status bonorum omnium congregatione perfectus “; a da eternidade : ” Interminabilis vitae tota simul et perfecta possessio “; a da pessoa : ” Rationalis naturae individua substantia “. Por este motivo, esta obra filosófica, conquanto fragmentária e pouco original, teve grande influência sobre a formação da escolástica. (excertos de Thonnard, Compêndio de História da Filosofia)
Guillermo Fraile
Natural de Roma. Oriundo por su padre de la familia senatorial de los Anicios, y por su madre de los Torquatos. Cursó sus primeros estudios en Roma, y muy joven aún fue enviado a Atenas, donde permaneció quizá unos dieciocho años, adquiriendo una formación muy completa en literatura y filosofía griega8. A su regreso a Roma fue investido de la dignidad senatorial. Poco después fue cónsul (510), magister palatii y magister officiorum en Rávena, corte de Teodorico, rey de los ostrogodos (522), que después de derrotar a Odoacro, rey de los hérulos, había llegado a dominar toda Italia. Rávena fue el centro de un brillante pero efímero resurgimiento de la cultura romana, pues se extingue con la invasión de los lombardos en 568.
Irritado Teodorico por las buenas relaciones entre el papa Juan I y el emperador Justino de Bizancio, abandonó su actitud de tolerancia para con los católicos, iniciando una persecución en que fueron víctimas Boecio y su suegro Símaco. Boecio fue acusado de alta traición, como cómplice en el proyecto de librar a Italia del yugo gótico, de acuerdo con el emperador Justino, y de magia. Fue destituido de sus cargos, encarcelado (h.524) y ejecutado en Pavía (Ticinum) el año 525. En su prisión compuso su Consolación de la Filosofía. La Sagrada Congregación de Ritos aprobó oficialmente su culto inmemorial como mártir, en 15 de diciembre de 1883, para las diócesis de Brescia y Pavía. Dante lo representa en el Paraíso (c.5) en forma de un globo luminoso entre San Ambrosio y San Beda Venerable. [Excertos de Guillermo Fraile, História da Filosofia]
- Em edição brasileira, ver: Boécio, A Consolação da Filosofia. Trad. Willian Li. São Paulo, Martins Fontes, 2012.[↩]
- Rei Alfred da Inglaterra, dito Alfred, o Grande (849-899). (N. E.)[↩]
- Elizabeth I (1533-1603) foi Rainha da Inglaterra e da Irlanda. (N. E.)[↩]
- Arianismo: doutrina de Ário (250-336), padre cristão de Alexandria (Egito) que afirmava ser Cristo a essência intermediária entre a divindade e a humanidade, negava-lhe o caráter divino e ainda desacreditava a Santíssima Trindade. (N. T.)[↩]
- Chefes de tribos zulu na África do Sul, dos séculos XVIII e XIX. (N. T.)[↩]
- Provavelmente, aqui e no capítulo VII, Lewis se refere ao Johnson, autor, editor e revisor de um dos dicionários de inglês mais reconhecidos do século XVIII. Samuel Johnson viveu de 1709 até 1784 na Inglaterra. Era poeta, autor de ensaios muitas vezes moralistas, crítico literário, biógrafo e lexicógrafo. Era devoto do anglicanismo e da monarquia e foi objeto de uma das maiores biografias da história da literatura inglesa, escrita por James Boswell e intitulada Life of Samuel Johnson [A Vida de Samuel Johnson]. Era considerado o mais distinto homem das letras da Grã-Bretanha. (N. T.)[↩]
- Philip Dormer Stanhope (1694-1773), estadista e homem de letras. (N. E.)[↩]
- J. Isaac sugiere la posibilidad de que Boecio hubiese recibido su primera formación en Alejandría, donde su padre había sido prefecto de Egipto. Allí habría sido Boecio discípulo de Ammonio. Más bien parece que el padre de Boecio murió siendo cónsul en Roma, cuando su hijo tenía doce años. En cambio, su educación en Atenas está atestiguada por Casiodoro: «Atheniensium scholas longe positas introisti» (Var. I ep.45: PL 69,539). Isaac, J., O. P., Le Perihermenias de Boéce à Saint Thomas (París, Vrin, 1953) p.19.[↩]