Bodas Reais (Mt XXII, 1-14)

PARÁBOLAS DE JESUS — BODAS REAIS (Mt XXII, 1-14)

EVANGELHO DE JESUS: Mt 22:1-14

Tomas de Aquino: Catena aurea — Mateus


Roberto Pla: Evangelho de ToméLogion 23; Evangelho de ToméLogion 64
Na Parábola do Semeador se explica que a Parábola — já se sabe, “a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo” — foi semeada em “todo homem” pelo semeador (o Pai), e na parábola que agora nos ocupa e que poderia denominar-se, se se atende à dupla visão de Mateus e Lucas, “da ceia (gr. deipnon) para muitos” (chamados) e “do banquete (gr. ariston) para poucos” (eleitos), o que nela se descreve são os diversos resultados obtidos pelo homem com a semente de luz — a Palavra — vindo nele habitar. Desde os lugares onde se assenta a semente o chega à alma o alimento de luz verdadeira do qual falava Jesus quando disse: “Eu tenho para comer um alimento que vós não sabeis” (Jo 4,32).

Isso do alimento, o dizia Jesus sem dúvida, a quem ainda não tinha começado a discernir a presença em si mesmo dessa “pedra eleita, angular, preciosa e fundamental”, posta por Deus no centro, no Eu Sou de cada homem como essência pura do Ser, anunciada abertamente por Isaías e levantada depois com insistência na memória e percepção de todos por Jesus, que advertia que pode ser desprezada, não tomada em consideração, mas é a pedra angular da realização do homem.

Na parábola que agora tentamos esclarecer, fala desta pedra interior que não é outra que a Palavra semeada. Os possuidores dessa semente são todos os homens, mas a parábola os classifica, segundo o fruto obtido desta semente, em três grandes espécies ou famílias resultantes, que por sua vez podem ser matizadas em várias espécies. Assim vejamos:

Os convidados que se desculpam

Não é difícil descobrir em todos os que por distintas causas se escusam para a ceia, aqueles que por não reconhecerem a semente neles semeada, passam pelo mundo sem dar fruto de salvação; se poderia dizer que tais homens não recebem em sua consciência de Adão psíquico os resplendores da luz verdadeira que têm depositada muito próxima deles, no homem pneumático que habita em sua mesma morada. Posto que não percebem a luz, carecem de fé na luz, e na falta de fé recusam assistir ao festim de imortalidade ao qual o Senhor os chama. Sua cegueira os autoexclui, e é neste sentido no qual se deve entender a afirmação em Lucas: “Nenhum daqueles convidados provará minha ceia”.

Os diferentes pretextos dados pelos muitos chamados que se desculpam, vêm a significar, na brevidade da alegoria parabólica, as causas do desvio, que se englobam na sentença dada pelo logion: “são compradores e mercadores que não entrarão nos lugares de meu Pai”. Esta expressão remete sem dúvida à passagem joanica da purificação do Templo: “Não façais da Casa de meu Pai uma casa de mercado”; mas também remete, na parábola do semeador, à minuciosa casuística com que se tenta descrever aos muitos que por motivos diferentes permitem que se perca a Palavra semeada neles.

Uns estavam, segundo se diz, “fora do caminho”, outros recebem a Palavra com “alegria” mas como carecem de raiz são inconstantes e não perseveram em cuidar do crescimento da semente, e para outros, enfim, caiu a semente “entre espinhos” (entre outras coisas que despertam seu interesse) e ainda que percebessem a palavra que “neles estava”a sufocaram por culpa da sedução do mundo; preferiram “casar-se” com as coisas deste mundo. Como resume o evangelista: Todos eles, “restam sem fruto”.

Deve ficar bem esclarecido a ordem das coisas. Todo homem que vem a este mundo é “chamado” desde que nasce; é a densidade de sua consciência o que o impede de descobrir com a atenção voltada para si mesmo (metanoia), que o Espírito Santo, o da voz de línguas de fogo, mora nele como semente da luz semeada pelo Pai. Como não conhece o Espírito (seu espírito), não crê no Filho do qual vem enviado como um “sopro” incerto, sem origem nem fim, e por isto, tal homem, não conhece o alimento que lhe é oferecido. Está convidado à ceia messiânica, mas se escusa dela. Outras são as coisas de “abaixo” que demandam a atenção de sua consciência; coisas que não levam à ressurreição e à vida. Por isto dizia Jesus: “Se não credes que Eu Sou, morrereis em vossos pecados”. Ou o que é o mesmo, tal como se diz na parábola: sua “cidade”, os hábitos maculados onde habitam, serão arrojados ao fogo, posto que “matarão e escarnecerão” todas as gotas de chuva mensageira da Palavra, que desde dentro de si mesmos pretendiam chegar até a superfície de sua consciência.

Os convidados no caminho

Há homens em quem a semente semeada em seu interior dá fruto; ouvem a Palavra e a acolhem e vivificam. O fruto é segundo a medida de cada um e esta medida é a que proporciona por si mesmo o julgamento que os destina a três mansões diferentes.

Também adverte o evangelho que há três medidas diferentes de dar fruto quando a semente está na terra boa, e que essas são as medidas reais da alma, de sua mutação (v. allasso) em pneuma; mas duas destas medidas, as que qualificam de “trinta” e “sessenta”, são ainda medidas de imperfeição e somente uma medida, a que se estima em “cem” é a que vem dada pelo fruto perfeito.

Das almas incursas nas duas medidas de fruto na imperfeição se ocupa a versão de Lucas da parábola. Dos de menor medida, valorizada “trinta”, se diz que estão nas ruas e praças da cidade”. como se se explicasse que já saíram em busca do caminho mas ainda não alcançaram a fonte da luz. Em consequência, já são qualificados como “pobres”, quer dizer, pneumáticos, por ser limpos de coração e padecer fome e sede de justiça própria do espírito (v. Pobres de Espírito); não obstante, estes neo-pneumáticos se acham na eventual condição de “aleijados, cegos e coxos”, assim denominados por dar ainda uma medida imperfeita. Em verdade, sobre estes “imperfeitos” que parecem vislumbrar a luz do Logos com um só pé, ou sem vê-la, com a fé do que não vê mas pressente, torna-se mais forte a obra da Boa Nova, segundo se relata nos evangelhos.

De uma ordem mais avançada são as almas mandadas a buscar pelo Senhor “nos caminhos e valados” do processo de espiritualização (estar no caminho é ir para a unidade com Cristo que disse: “Eu sou o caminho”). Aos servos, quer dizer, às línguas pentecostais (v. Pentecostes) que desde o Espírito inundam de conhecimento a alma que mede em si mesma a segunda medida (sessenta) do fruto, os pede o Senhor que “obriguem” a entrar a tais almas e isto de uma maneira a referir-se a essa intensidade diligente do espírito que às vezes pode sentir a alma “enamorada de Deus” e que no evangelho se expressa por meio da ânsia de Cristo quando disse: “Vim lançar um fogo sobre a terra e como desejaria que já estivesse incendiada!” Destas almas, já muito próximas a dar a medida perfeita, é de quem se espera segundo se disse, que ocupem as mansões preparadas para os perfeitos.