Bernardo de Clairvaux — Sobre a luta da carne e do diabo contra o homem espiritual
Obras Completas de San Bernardo — Tomo III — Sermones litúrgicos (1.°Â ), Biblioteca de Autores Cristianos, serie normal n°Â 469, edición bilingüe preparada por los monjes cistercienses de España, Madrid, 1985, 691 p. ISBN 84-220-1196-0
Sermones en el tiempo de Navidad introducción y traducción por Juan Maria de la Torre;
Sermones en el tiempo de Quaresma introducción y traducción por Iñ aki Aranguren; e
En el nascimiento de San Benito traducción por Mariano Ballano
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Tradução de Antonio Carneiro Sermão Quinto (Edic. Leclerq IV)
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Sobre a luta da carne e do diabo contra o homem espiritual e sobre a utilidade da oração
1. O amor que os tenho, irmãos, me obriga a falar. Premido por ele, vos falaria com mais frequência, se não me impedissem minhas múltiplas ocupações. Não é nada estranho que me preocupe convosco, pois também encontro em mim mesmo muitos motivos e ocasiões de preocupar-me. Quando advirto minha própria miséria e meus muitos perigos, me assalta a tristeza. Meus zelos por vós não pode ser menor se vos amo como a mim mesmo. Aquele que sonda os corações sabe muito bem quantas vezes minha diligência por vós impulsa meu coração à cuidar de mim. É normal que me preocupe e me inquiete tanto por vós, ao vos ver em tanta miséria e envoltos em tantos perigos. Nós mesmos, como sabemos, levamos a armadilha. Aonde quer que vamos, levamos nosso próprio inimigo: a carne, nascida e nutrida no pecado; demasiada corrompida em sua origem e muito mais viciada pelos maus costumes. Por isso luta tão cruelmente contra o espírito; murmura com tanta frequência e não suporta a disciplina; sugere o mal, não se submete à razão nem lhe assusta temor algum.
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2. A ela se lhe une e ajuda a astuta serpente, e se serve dela para atacar-nos. Seu único desejo, seu empenho e seu propósito é derramar o sangue das almas. Trama continuamente a maldade, instiga os desejos da carne, alimenta o fogo natural da concupiscência com sugestões peçonhentas, inflama os movimentos ilícitos, prepara as ocasiões de pecar e não cessa de tentar o coração do homem com mil artes daninhas. Nos ata com nosso próprio bastão, para que a carne que nos foi dada como ajuda se converta em perdição e laço.
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3. Qual proveito tem indicar o perigo, se não se dá um consolo nem se aplica um remédio? Vivemos em grande perigo e em luta sem quartel contra nosso hóspede. Com o agravante de que nós somos peregrinos e ele cidadão. Ele habita em sua pátria, nós somos desterrados e peregrinos. Temos aliás, uma grande desvantagem frente às enganosas e frequentes astúcias do diabo: não podemos vê-lo. Sua natureza sutil e longo o exercício de sua malícia lhe fez sumamente astuto.
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Apesar disso, está em nossas mãos não nos deixarmos vencer. Nenhum de nós será abatido contra sua vontade. Teus desejos, homem, dependem de ti e podes dominá-los. O inimigo é capaz de despertar o impulso da tentação; mas, se quiseres, tu podes dar ou negar consentimento. Se quiseres, és capaz de reduzir à servidão teu inimigo e que tudo coopere para teu bem. Quando o inimigo desperta teu apetite de comer, te sugira pensamentos de vanidade ou de impaciência, ou te excite a lascívia, tu simplesmente não consintas. Quantas vezes resistir, tantas será coroado.
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4. Não posso negar, irmãos, as incômodas e perigosas que são estas coisas. Mas, na própria luta, se resistirmos com valor, sentiremos uma paz que provem da boa consciência.
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Creio aliás que, se não nos entretermos nestes pensamentos e, tão logo como os advertimos nosso espírito lutará energicamente contra eles, o inimigo se retirará confundido e não voltará tão cedo. Mas, quem somos e com que forças contamos para resistir a tantas tentações? Isto é o que busca Deus e quer que nos convençamos: ao apalpar nossa fraqueza e comprovar nossa incapacidade, acudamos com toda humildade à sua misericórdia. Por isso vos peço, irmãos, tenhais sempre à mão o refúgio inexpugnável da oração. Recordo que vos disse faz pouco que vos ia falar dela no final do sermão.
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5. Sempre que falo da oração, me parece ouvir em vossos corações certas palavras inspiradas em critérios humanos. Mais de uma vez ouvi e também as experimentei em meu coração. Como se explica que, ainda que não deixemos de orar nunca, parece que nenhum de nós sequer experimentou o fruto da oração? Assim como entramos na oração assim saímos. Ninguém nos responde uma palavra, ninguém nos dá nada, parece que trabalhamos debalde. Mas, que disse o Senhor no Evangelho? Não julgueis por impressões, julgai segundo a justiça (Jo 7, 24). O juízo da fé é o único justo. O justo vive da fé (Gal 3, 11). Guia-te pelo juízo da fé, não por tua experiência porque a fé é veraz, e tua experiência enganosa. Qual é a verdade da fé? Não é a que prometeu o Filho de Deus? Qualquer coisa que pedis em vossas orações, credes que a tenhais conseguido e a obtereis (Mc 11, 24).
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Irmãos, não desprezeis vossa oração. Digo-vos que aquele a quem oramos tampouco a despreza. Antes de que saia de vossa boca, já vos manda escrevê-la em seu livro. Podemos esperar, sem dúvida alguma, uma dessas duas coisas: nos dará o que pedimos ou o que ele sabe que nos convém. Nós não sabemos a ciência certa o que devemos pedir (Rom 8, 26). Ele se compadece de nossa ignorância e acolhe com bondade nossa oração. Mas, não nos dá o que não nos convém ou não tem porque o nos dar tão logo. A oração nunca é infrutuosa.
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6. Assim será se fizermos o que o salmo nos diz, isto é, se nos comprazermos com o Senhor. Disse o santo David: Seja o Senhor teu deleite, e ele te dará o que pede teu coração (Sal 36, 4). Oh Profeta! Porque nos convida tão rotundamente a por nossos deleites no Senhor, como se dependesse de nós esta fruição? Conhecemos os prazeres de comer, de dormir, e de descansar e das demais satisfações que temos na terra. Mas, que fruição tem Deus para regozijarmos com ele? Irmãos, os seculares podem falar assim; nós não. Existe algum dentre vós que não tenhais provado muitas vezes a dita da boa consciência, a fruição da castidade, da humildade e da caridade? Isto não é o prazer da comida nem da bebida, nem de coisa parecida. É divino, não é carnal. Se pusermos nosso deleite neles, também o poremos no Senhor.
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7. Talvez muitos repliquem que poucas vezes se experimenta esse amor deleitável e mais doce que o mel e o favo, porque nesta vida as tentações nos dão lutas, e devemos resistir com todas nossas forças. Praticamos as virtudes, mas não pelo prazer que proporcionam, mas sim pelas próprias virtudes e por agradar à Deus com toda alma, ainda que sem sentir o amor. Quem vive esta situação cumpre, sem dúvida, o conselho do Profeta: O Senhor seja teu deleite. Aqui não se fala de amor, mas sim de ascese, da virtude. O Senhor seja teu deleite; quer dizer, lança-te e esforça-te para que o Senhor seja teu deleite, e te dará o que pede teu coração. Mas, considera que fala dos desejos do coração aprovados pela razão.
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Não podes queixar-te, mas sim te dedicar com todo teu amor para a ação de graças. Teu Deus cuida tanto de ti, que sempre que pedes algo inútil por ignorância, não te escuta, mas sim que o altera para um dom maior. Também um pai, quando seu filho lhe pede pão, dá-lhe com gosto; mas se pede uma faca, que não necessita, não lha dá. Ele mesmo parte o pão que havia dado ou manda um servente que lho parta para evitar-lhe o perigo e o esforço.
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8. Creio que as petições de nosso coração são três, e não vejo que outra coisa deve-se pedir um escolhido. Duas pertencem à esta vida; são os bens do corpo e da alma, a terceira é a bem-aventurança da vida eterna. Não te estranhes se digo que tens que pedir à Deus os bens do corpo, porque dele procedem todos os bens corporais e espirituais. A ele devemos pedi-los e esperar dele para mantermos à seu serviço. Mas, pelas necessidades da alma devemos orar com mais frequência e fervor, para obter a graça de Deus e as virtudes. E pela vida eterna devemos orar com toda nossa devoção e todos os anseios, porque ali está plena e perfeita a felicidade da alma e do corpo.
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9. Para que estas três petições brotem do coração, devemos pontuar três coisas. Na primeira soe introduzir-se a superfluidade; na segunda, a impureza, e na terceira a soberbia. Algumas vezes se costuma buscar o temporal como parte do prazer, e a virtude para ostentação. Alguns buscam também a vida eterna não com humildade, mas sim fiando-se de seus méritos. É certo que a graça recebida dá confiança para orar, mas, não é conveniente apoiar-se nessa graça para pedir. Os primeiros dons capacitam unicamente para esperar, pela misericórdia que nos foi dada, outros maiores. A oração que se faz pelas virtudes da alma, está livre de toda impureza e dirigida exclusivamente para a vontade de Deus. E a que se faz pela vida eterna, está empapada de humildade, e confia ainda somente na misericórdia divina, porque assim deve ser.