Bernardo de Clairvaux — Sermôes
Sermão 13 — As tres misericórdias e as quatro compaixões
Tradução de Antonio Carneiro
1. Perdoa-me, Deus, segundo tua imensa misericórdia! (Sl 50, 3) Assim como os pecados são mínimos, medianos e imensos, também existe a misericórdia pequena, mediana e imensa. Um grande pecador precisa de grande misericórdia, como onde abundou os pecado superabunde a graça (Rm 5, 20). Misericórdia pequena considero a paciência, que não pune de imediato o pecado, espera pela penitência. É pequena não em si, mas comparada com outras. A paciência do Senhor é muito grande, e imensa toda sua misericórdia. Quando pecaram os anjos não esperou, precipitou-os do céu; o homem que pecou não lhe consentiu (ficar), expulsou-o logo do paraíso. Entretanto, espera e tolera, suporta dez anos, vinte, até a velhice e a senilidade (Sl 70, 18). E se consideramos quantos e quão graves pecados se cometem no quotidiano, não nos parece leves aqueles que receberam de imediato uma sentença de sua condenação ? Não é de estranhar que o Profeta por pouco desse um passo em falso, e quase resvalasse suas pisadas, (Sl 72, 2-3) ao invejar os perversos e ver prosperar os malvados, que não cessam de dizer: É que Deus vai saber, ou vai se inteirar o Altíssimo? (Sl 72, 11) Contamos com a graça da cruz de Cristo e sua virtude: Eu vivo, disse o Senhor: não quero o pecador morto, mas que seja convertido e vivo. (Ez 33,11) Quanto a minha visão, é a voz do Cristo ressuscitado (132), isto é, como se disse: Queira, ou não o judeu, eu vivo; não quero a morte do pecador, porque quis morrer pelos pecadores: quero que minha morte seja frutífera, e copiosa para a redenção deles. (Sl 129, 7)
2. Esta misericórdia do Senhor, pela que se mostra lenta em castigar e pronta a perdoar, repito que não é pequena em si, mas sim comparada com outras; e é que ela só é incapaz de salvar, e inclusive agrava a sentença da condenação, como foi dito: Isto fizeste e calei. (Sl 49,21) Escutemos sobre isso o Apóstolo, com sua terrível entonação: duvidas da grandeza da bondade e tolerância de Deus? Ignoras quanta paciência tem Deus para a penitência te aduzir? Tu também, segundo tua dureza e coração impenitente, te entesouras de ira para o dia da ira. (Rm 2, 4-5) Entesouras, diz-se, de tesouros de ira em troca de tesouros de misericórdia que desprezas, e esvazia em ti a misericórdia de Deus. É segundo o quê ? Segundo tua dureza e coração impenitente? Quem será capaz de cindir essa dureza, a não ser aquele que ao morrer cindiu as rochas? (Mt 27, 51) Quem concederá um coração penitente, a não ser aquele de quem todos dons são preciosos? (Tg 1, 17)
3. Esta é a segunda misericórdia, muito maior que a anterior, já que impede que seja infrutífera e se converta em condenação de morte. (Lc 24, 20), dando penitência, sem a qual a paciência, em lugar de aproveitar-nos prejudica muito. E pode ser suficiente para os pecados leves, porque a penitência quotidiana basta para salvar-nos de tudo isso que não podemos evitar enquanto vivemos neste corpo de pecado. (Rm 6, 6) Para os pecados mais graves, e os pecados que levam para a morte, (Jo 5, 16) além de fazer penitência, é preciso continência. Difícil é arrancar-se da sua cerviz o jugo do pecado (Gn 27, 40) previamente aceito, e só (133) é possível com o poder divino, porque quem comete o pecado é escravo do pecado,(Jo 8, 34) e somente uma mão forte(Ex 13, 3) pode liberá-lo dele.
4. Esta é a grande misericórdia, necessária aos grandes pecadores, de que se diz: Perdoa-me, Deus, segundo tua imensa misericórdia e segundo a imensidão de tuas compaixões, (Sl 50, 3) e etcétera. Das quatro filhas da grande misericórdia é dito, que são sentir a amargura, diminuir as oportunidades, fortalecer a resistência e sanar as afeições. Às vezes o Senhor infunde piedosamente certa amargura naquele que está acorrentado ao pecado, e por esse meio ocupa seu espírito e vai expulsando os nefastos deleites do pecado. Outras vezes o priva das ocasiões, e não permite que sua fraqueza sofra a tentação. Outras concede força para resistir; o que é muito melhor, pois ainda que sinta a tentação é capaz de enfrentar varonilmente e não consentir. E outras vezes sana o afeto, que é perfeitíssimo, e com o que erradica toda tentação , assim não só não consente isso, como nem que se sinta tentado.
Obras Completas de San Bernardo — Tomo VI — Sermones varios
Biblioteca de Autores Cristianos, serie normal n° 497, Madrid, 1988, 534 p.
ISBN 84-220-1315-0
edición bilingüe promovida porla Conferencia Regional Española de Abades Cistercienses
introducción y traduccion por Mariano Ballano