Bernard Teyssèdre: Le diable et l’enfer [BTDE]
O mais antigo manuscrito do Livro dos Egrégoros em Qumran é um pouco anterior ao Sonho de Enoque. Seu redator reuniu e remanejou três documentos distintos, onde um deles relata as quatro missões confiadas por Deus a quatro arcanjos. O caráter próprio desta tradição é que distingue duas «descidas». A segunda foi coletiva. Mas qual crime inusitado a precedeu, do qual o Gênesis nada fala? Quem então foi o pioneiro do Mal? No Sonho de Enoque o acusa de provocar a promiscuidade entra a branca linhagem de Seth, eleita por Deus, e os negros rebanhos da humanidade reprovada. Segundo o Livro dos Egrégoros este «filho do céu» ensinou aos homens a metalurgia, produtora de armas mortíferas ou de joias sedutoras, e às mulheres os cosméticos e pinturas. Ele se chamava Azael, mas este nome passa a ser em seguida Azazel, o demônio dos desertos ao qual cada ano o sacerdote de Sião envia o bode expiatório carregado das impurezas do Povo. A ele se deve imputar todo pecado.
Este demônio, mestre do deserto onde dançam os bodes Seirim de Isaías, está ligado ao rito anual das Expiações: é a ele que o padre envia, encarregado dos pecados do Povo, o bode emissário. A solenidade do Yom Kippur, longe de eliminá-lo sob a reprovação, o fez crescer. A uma das tradições recolhidas por Enoque reconhece em Azazel a primeira estrela caída, um Príncipe do Mal que desceu para corromper os homens antes dos Egrégoros luxuriosas e que foram castigados antes deles, aparte, como o merecia um crime sem igual. A sentença que o condena não deixa duvidar de sua identidade: o arcanjo Rafael tem ordem de «lhe imputar todo pecado» e de acorrentá-lo «no deserto que está em Dudael» — precisamente em Beth Khaduda, o deserto de Azazel.
Assim este personagem superpõe duas figuras originalmente distintas: uma em relação com as solidões que atormentam os demônios e os espectros dos mortos, a outra com o firmamento povoado de anjos-astros que descem para corromper o espaço aéreo. A «partilha» dos dois bodes pelo ritual de Expiação remete à «partilha» da humanidade entre dois «lotes», um destinado a Deus, o outro ao Príncipe deste Mundo (v. Juízo Final). Um pesher de Qumran opõe através dos «períodos» sucessivos da história a «congregação» de Azazel e a assembleia dos santos. O tema sobreviveu à dupla destruição do Templo de Sião e do «monastério» do Mar Morto graças à influência persistente de Enoque, ou melhor a sua leitura renovada sob o brilho de Apocalipses e de Gnoses. A Pesiqta Rabbati reporta que «Aza e Azael tinham corpos de fogo, e portanto quando eles desceram sobre a terra eles pecaram». A Crônica de Jerahmeel diz que Azazel preposto chefe sobre todas as tinturas e todas as espécies de alimentos pelos quais as mulheres induzem os homens a pensamentos pecaminosos». De um lado o fogo astral consoa com o Inferno, por outro lado a alquimia com a luxúria. Segundo um Midrash tardio, Semhazai e Azael desceram do céu com autorização de Deus; mas seu crime foi de prolongar sua estadia sobre a terra além do tempo compatível com sua natureza angélica. Por uma estranha reviravolta uma mulher, Esterah, que tinha aprendido de Semhazai o Nome inefável, ousou pronunciá-lo e, metamorfoseada em astro, subiu ao céu onde ela cintila entre as Plêiades.
O Apocalipse de Abraão fez de Azazel o arcanjo do Mal. É a ele que Deus abandonou a humanidade pagã, se reservando o povo dos justos por herança. Segundo esta partilha, Azazel desempenha o papel de Beliar. Mas no Éden desempenhou aquele de Satã, posto que foi ele a «serpente» de mãos e pés humanos, de seis pares de asas, que fez comer o fruto da vinha a nossos primeiros pais enquanto copulavam. Ele permanece príncipe dos Egrégoros, ele que caído do céu para fazer da terra o receptáculo de suas impurezas disseminando sobre ela os segredos interditos. Seu corpo de fogo, dotado de doze asas que caracterizam para o Talmude o Anjo da Morte, o predispõe a queimar os danados no Inferno da «segunda morte».