Aqueles Dias (Mc XIII, 17-20; Mt XXIV, 19-22; Lc XXI, 23)

AQUELES DIAS (Mc XIII, 17-20; Mt XXIV, 19-22; Lc XXI, 23)

17) Mas ai das que estiverem grávidas, e das que amamentarem naqueles dias!
18) Orai, pois, para que isto não suceda no inverno;
19) porque naqueles dias haverá uma tribulação tal, qual nunca houve desde o princípio da criação, que Deus criou, até agora, nem jamais haverá.
20) Se o Senhor não abreviasse aqueles dias, ninguém se salvaria mas ele, por causa dos eleitos que escolheu, abreviou aqueles dias. (Mc 13:17-20)

19) Mas ai das que estiverem grávidas, e das que amamentarem naqueles dias!
20) Orai para que a vossa fuga não suceda no inverno nem no sábado;
21) porque haverá então uma tribulação tão grande, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem jamais haverá.
22) E se aqueles dias não fossem abreviados, ninguém se salvaria; mas por causa dos escolhidos serão abreviados aqueles dias. (Mt 24:19-22)

23) Ai das que estiverem grávidas, e das que amamentarem naqueles dias! porque haverá grande angústia sobre a terra, e ira contra este povo. (Lc 21:23)


Roberto Pla: Evangelho de ToméLogion 113

17) Mas ai das que estiverem grávidas, e das que amamentarem naqueles dias!

As mulheres “grávidas” são as almas que sofrem dores de parto e que estão próximas a dar a luz ao nascido de acima (Nascer do Alto), o fruto do Espírito, não um nascido de mulher. Para elas se aproxima o Dia da Visita do Senhor, e Jesus o Vivente se compadece por aquelas almas que ao chegar-lhes a hora não alcançaram ainda o desprendimento completo que culmina na negação total de si mesmo.

Jesus se refere em várias ocasiões a estas almas que descobrem com lucidez o Cristo que nelas oculto mora, mas não são capazes de negar sua alma (psyche = sua vida) “até o ponto de morrer” em Cristo, porque se amam demasiado a si mesmas. Diz Jesus, e o terceiro evangelista o recorda, que esta negação a tudo o que não seja a redenção deve alcançar a família antropológica completa pois só assim é possível seguir a Cristo e fazer-se “um” com ele.

Por outra parte, a imagem das grávidas como “figura” das almas que padecem essa sede e fome de conhecimento que só é possível saciar pela prévia destruição dos frutos do mundo que nelas crescem, é um “recurso” comum no AT, “feliz aquele que pegar em teus pequeninos e der com eles nas pedra” (Sl 137,9). “Não sabes como vem o espírito aos ossos (ao si mesmo, ao Eu), no ventre da mulher grávida” (Eclesiastes 11,5).

Por último, convém assinalar que 1Ts proporciona um texto que revela a relação conjunta que guardam para uma hermenêutica do evangelho, o Dia do Senhor, a imagem das (almas) grávidas e o fruto do mundo que há que negar: “Vós sabeis perfeitamente que o Dia do Senhor há de vir como um ladrão na noite. Quando digam: Paz e segurança, então, de repente, virá sobre eles ruína, como as dores de parto a que está grávida; e não escaparam” (1Ts 5,2-3).

Quanto ao que toca a expressões tais como “aqueles dias”, ou outras como “aquele dia”, “o Dia”, “os dias”, etc…, de tanto uso neotestamentário, e em especial, tão entranhado com a VINDA DO FILHO DO HOMEM, parece necessário abordar um breve excursus, uma digressão, que ajude a esclarecer seu significado desde a vertente oculta (vide Dia).

18) Orai, pois, para que isto não suceda no inverno;

Deveria bastar o texto deste versículo 18 para que ainda os exegetas do evangelho segundo o sentido manifesto aceitassem que o relato da Vinda que apresenta o c. 13 de Marcos só possa ser explicada como uma parábola, e em consequência, como um fato gnoseológico oculto que refere à consumação interior com signo individual, embora com validez parenética para todos os seres humanos.

Pela expressão “em inverno” há que entender aqui a estação própria dos que dormem “secos” no da terra. Sua oposição correlativa é o verão, o tempo no qual todos os que se fizeram justos revelarão já seu fruto de plenitude e salvação.

Esta é a explicação que sugere Hermas no Pastor de Hermas, com respeito à simbologia das estações de inverno e verão: (Assim) como no inverno as árvores, desfolhadas, aparecem todas semelhantes e não se vê quais estão secas e quais vivem, assim também, no século presente (o do mundo) não se revelam os justos e se assemelham aos pecadores”.

É importante que a explicação de Hermas parece coincidir com Marcos, porquanto neste, no exemplo da figueira que inclui em seu capítulo para facilitar (v. Figueira Desabrochando), segundo diz a compreensão do ensinamento da parábola, é o verdor das folhas ternas da figueira o que credita a proximidade do verão, no qual é possível revelar o fruto da salvação.

19) porque naqueles dias haverá uma tribulação tal, qual nunca houve desde o princípio da criação, que Deus criou, até agora, nem jamais haverá.

A tribulação (gr. thlipsis), da qual aqui se fala é esta morte voluntária a qual o eleito deverá entregar-se com gozo antes de “ver” ao Filho do Homem. Este é um mistério que alguns místicos experimentaram e que os evangelhos mencionam em vários lugares.

O que Jesus chama “negação de si mesmo” é o começo da tribulação, ou se se quer, o começo das dores de parto; mas tribulação completa sobrevém quando se alcança o fim (telos), o cumprimento da negação. Marcos diz que esta tribulação é a maior pela qual pode passar um ser humano, pois não passará por ele um Dia igual a este.

Jesus descreve, em uso paradoxal, o estado extremo da tribulação, e o disse expressando-se como Cristo oculto, o Filho do Homem: “Quem queira salvar sua alma (vida = psyche), a perderá, mas quem perca sua alma (vida) por mim, a encontrará”.

Não é fácil converter em realidade interior o sentido deste logion onde a dupla acepção da palavra psyche (alma, vida), proporciona uma dificuldade prévia de entendimento. Jesus “manifesto” pede a negação de si mesmo a todos, para chegar através dessa negação e do seguimento do exemplo de Jesus à contemplação do (universal) Filho do Homem. Mas esta contemplação não sobrevém até que a negação da alma e da vida perecedoura que ela supõe, é absoluta.

Por isso diz Jesus que há que perder a alma (psyche, a vida mortal da alma), para encontrar a Vida eterna (psyche), a qual é em si mesma o Filho do Homem. Ou o que é o mesmo: Quem quiser salvar sua Vida (eterna), deverá perder antes, voluntariamente, sua alma (sua vida perecedoura), significada pelo mundo. Isto é uma mudança com ganância.

Essa entrega, essa negação em si mesmo, que cada qual deve cumprir como condição para “ver” ao Filho do Homem, é a grande tribulação, a “noite escura” (v. Carmelo Noite Obscura), sem a qual a porta do Dia terceiro permanece fechada. Tudo se compendia nesta síntese: “Há que morrer para alcançar a Vida”.

20) Se o Senhor não abreviasse aqueles dias, ninguém se salvaria mas ele, por causa dos eleitos que escolheu, abreviou aqueles dias.

Há que recordar uma vez mais que com a expressão Dias não se refere o evangelista a uma duração temporal, senão aos “passos” ou graus do trânsito até a luz, quer dizer, até o DIA DO FILHO DO HOMEM. Só assim se compreende a “atenção” do Senhor, que consiste em abreviar os Dias que hão de conhecer os eleitos. Se se tratará de dias temporais, tal encurtamento careceria de sentido, pois, não seria uma atenção senão um castigo.

Os eleitos são aqueles “poucos” que se diferenciam dos “muitos” chamados, em que seu consciência, espiritualizada, começa a perceber a “presença” do nascido de acima (Nascer do Alto). Estes são os nascidos duas vezes, os regenerados, que já creem com firmeza que o Cristo oculto, interior, “está” neles, ainda que não tenham alcançado “fazer-se um”.

É seguro que foi o Senhor, Jesus, Cristo manifesto, quem ao proclamar e ensinar a Boa Nova abreviou com isto o trânsito, os Dias até a salvação dos eleitos. Quanto ao Cristo oculto, ele foi o que os elegeu a todos e os elege ainda.

Não há que esquecê-lo: o conhecimento e a prática do evangelho proporciona os meios necessários para andar desapegado da carne, e esse desapego abrevia para os que já não são carne o trânsito pelo Dias, o caminho até a salvação.