Aquele que me enviou [MHSV:128-129]

Michel Henry [MHSV]

Mas esta são todas implicações decisivas que acabamos de recordar e que são constitutivas do conteúdo autêntico do cristianismo, que João enuncia sempre no modo de apoditicidade: que tudo no Cristo, enquanto ele nada mais é que a vinda em si da Vida em sua Ipseidade essencial, lhe vem do Pai — «Tudo me foi transmitido pelo meu Pai» (Lc 10,21) —, de tal maneira com efeito que nada nela se faz senão o seja pelo Pai, de sorte que o Cristo não está jamais só, mesmo na hora da dispersão: «No entanto eu não estou de todo só pois o Pai está comigo» (Jo 16,32), e isso porque, mais profundamente, «o Pai está em mim» (Jo 10,38). Como o Pai está no Cristo? Enquanto a Vida da qual o Cristo é em sua Ipseidade essencial (em sua pessoa) a auto-revelação. De tal sorte que, da mesma forma, o Cristo está no Pai: «Eu estou no Pai» (Jo 10,38).

Ora tudo isso se cumpre no Cristo como sua própria essência na medida que ele vem da Vida como o Arque-Filho co-engendrado por ela em seu auto-engendramento absoluto. Donde a referência constante do Cristo, constantemente relembrada por João, à «aquele que me enviou». É em nome daquele que o enviou que o Cristo faz tudo o que ele faz, diz tudo o que ele diz, assim como é naquele que o enviou que resgata a condição que é a sua, o enviado de Deus precisamente, o enviado da Vida enquanto seu Verbo. Esta referência explica o inexplicável, isto a princípio, que é muito misterioso com efeito: como o Cristo, que não fez estudos, pode saber tudo o que sabe e, verdade seja dita, tudo saber? «Como conhece as letras sem ter recebido instrução? » (Jo 7,15). A resposta do Cristo só se entende à luz de sua Arque-condição: «Meu ensinamento não é de mim mas daquele que me enviou» — proposição que se encontra reafirmada com uma insistência extraordinária: «Não é, com efeito, de mim mesmo que falei; mas o Pai que me enviou, é ele que me prescreveu o que tinha a dizer e fazer ouvir (…) Assim portanto, o que digo, eu o digo tal como meu Pai me disse» (Jo 12,49). E ainda: «E a palavra que entendeis não é de mim, mas do Pai que me enviou» (Jo 14,24); «As palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em mim, é quem faz as obras» (Jo 14,10); «… nada faço por mim mesmo; mas falo como meu Pai me ensinou» (Jo 8,28).

Em que o que diz o Cristo, que diz o que seu Pai lhe disse, é um ensinamento e que diz este ensinamento? Ensinar, é dizer a Verdade. Se o que diz o Cristo, dizendo o que lhe disse aquele que o enviou, é verdadeiro, é porque aquele que o enviou diz verdadeiro, diz a verdade: «Mas ele é verídico, aquele que me enviou. E é disto que dele aprendi que digo ao mundo» (Jo 8,25). Mas qual verdade diz aquele que é verídico e quem enviou o Cristo? Ele diz uma verdade bem particular, não a verdade do mundo ou das coisas do mundo mas a Verdade da Vida. A Verdade da Vida é a Vida ela mesma. A Vida é a Verdade enquanto ela se auto-revela. Dizer a Verdade, para o Verídico que enviou o Cristo, é se auto-revelar, é para a Vida cumprir sua essência na Ipseidade essencial do Primeiro Vivente, no qual precisamente ela se auto-constringe e se auto-revela, e que é como tal o Dizer mesmo da Vida, seu Verbo. É desta maneira que o enviado de Deus nada mais diz que o que diz aquele que o enviou, na medida que seu dizer de Deus, o dizer do Verbo idêntico ao Verbo, nada mais é que o dizer de Deus, sua auto-revelação, se cumprindo neste Verbo e sob a forma deste.