Excertos da tradução em português de José Antoino Ceschin do livro de Joan O’Grady, “Heresy: Heretical Truth or Orthodox Error? a Study of Early Christian Heresies”
Os arrianos entendiam o Verbo Divino em Cristo como o Princípio Vital, aquele que dá a vida aos seres humanos. Este estava sujeito a mudanças, e portanto era inferior ao Deus imutável. Esta exposição ia contra a então “ortodoxa” concepção de Cristo como a segunda pessoa da Trindade, e muitos acharam que devia ser rejeitada a todo custo; entre eles estava Apolinário, bispo de Laodiceia, na Síria, cujo propósito era salvaguardar a Divindade e a Unidade de Cristo.
Apolinário era um dos que apoiavam com firmeza a doutrina de Niceia, mas, como verdadeiro grego que era, esforçou-se no sentido de enfrentar as dificuldades intelectuais implícitas. Sabia que o Verbo, o Logos, consubstancial com Deus, tinha de estar de alguma forma unido em Cristo à sua natureza humana, assumida no momento da Encarnação. O importante para Apolinário era mostrar que Cristo, o Filho, era de fato Deus e, ao mesmo tempo, que Jesus, dotado da mesma natureza humana de qualquer outro homem, não representava duas pessoas, mas uma só. A natureza humana encontrava-se dentro de um corpo humano e, portanto, segundo a visão de Apolinário, sujeita à possibilidade de pecar. Como poderia Cristo ser mostrado como um Ser livre desta possibilidade e perfeito como Deus, e ao mesmo tempo ter assumido a humanidade?
A resposta de Apolinário foi que, em Cristo, o Logos tinha tomado o lugar de nosso espírito. Neste caso, sua natureza humana era orientada por um Guia Divino, o que significava que Ele estaria para sempre sem pecado. Apolinário achava que, com este mesmo argumento, tinha resolvido o problema de reunir os aspectos Divino e humano numa mesma pessoa. Mas ele foi imediatamente atacado. Seus oponentes argumentavam que, se o Logos tivesse tomado o lugar do mais elevado elemento da natureza humana, Cristo não era um homem completo, já que o mais elevado elemento humano tinha sido deixado de lado. Isto significava que, segundo a doutrina de que Cristo só podia curar e redimir aquilo que havia assumido, não se podia dizer que Ele teria redimido o homem por completo. Se Cristo não era um homem completo, então devia ser outra coisa — nem Deus nem homem — e a Encarnação deixava de ter qualquer significado.
Apolinário tinha muitos seguidores que apoiavam suas ideias, chegando algumas vezes a exagerá-las ou a ensinar diferentes variações delas. Logo surgiram refutações a seus ensinamentos, e o Papa Dâmaso condenou seus erros e o depôs de seu bispado.
O apolinarismo tornara-se uma heresia, e vários éditos contra ele foram publicados em Roma, em Alexandria, na Antioquia e no Concilio Ecumênico de Constantinopla. O imperador Teodósio I também publicou decretos imperiais contra o apolinarismo e utilizou-se do poder da lei secular para sufocá-lo. Na verdade, o apolinarismo jamais representou uma ameaça muito séria à “ortodoxia”. Mas é importante por causa das doutrinas expostas com a finalidade de contradizê-lo, que, por sua vez, deram origem a uma heresia muito mais significativa.
No princípio do século V, o principal ataque teológico contra o apolinarismo veio da Igreja de Antioquia.