SANTO ANTÃO — EXCERTOS DA PHILOKALIA
Exortações sobre o comportamento dos homens e a conduta virtuosa
1. É abusivo dizer que os homens são dotados de razão. Não são razoáveis aqueles que se deixam ensinar pelas palavras e os livros dos antigos sábios. Mas são razoáveis aqueles cuja alma é dotada de razão e que são capazes de discernir aquilo que é o bem e o que é o mal. Fugindo de tudo aquilo que é mal e prejudicial, consagram-se ao estudo daquilo que é bom (agathon) e útil. E fazem isto dando graças a Deus. São eles, e apenas eles, que se deve chamar em verdade de homens dotados de razão.
2. O homem dotado de razão em verdade só tem uma coisa no coração: obedecer e agradar ao Deus do universo, e formar sua alma pela única preocupação de lhe ser agradável, lhe rendendo graças pela realidade e a força de sua providência pela qual dirige todas as coisas, o que quer que aconteça, durante sua vida. Seria com efeito fora de lugar agradecer pela saúde do corpo aos médicos que nos prescrevem medicamentos amargos e desagradáveis, enquanto que recusamos gratidão a Deus pelas coisas que nos parecem penosas, e que ignoramos que tudo acontece como deve, e para nossa vantagem, pelos cuidados da providência. Pois o conhecimento (gnosis) de Deus e a fé nele são a salvação e a perfeição (katartismos) da alma.
3. A temperança, a resignação, a castidade, a fortaleza, a paciência e seus similares são potências virtuosas consideráveis que recebemos de Deus para resistir às dificuldades do momento, lhes fazer face e nos socorrer. Se exercemos e mantemos estas potências, nos aperceberemos que nada nos acontece de difícil, de doloroso e de intolerável, ao pensamento que tudo é humano e pode ser dominado pelas virtudes que estão em nós. Aqueles que não têm inteligência da alma não pensam nisto. Pois não compreendem que tudo se passa bem e como deve ser, para nosso benefício, a fim de que brilhem as virtudes, e que sejamos coroados por Deus.
4. Se pensas que ter dinheiro e usar de opulência só são aparências ilusórias e passageiras, se sabes que a vida virtuosa que agrada a Deus prevalece sobre a riqueza, e se refletes seriamente nisto e o guardas na memória (anamnesis), então não gemerás mais, não te lamentará mais, não acusarás mais ninguém, mas em tudo darás graças a Deus, vendo aqueles que são piores que tu se apoiarem sobre a eloqüência e sobre o dinheiro. Pois é para a alma um mal muito grave a concupiscência (epithymia), a ambição (pleonexia) ou a ignorância.
5. É examinando a si mesmo que o homem dotado de razão experimenta aquilo que o convém e lhe é útil, aquilo que é apropriado à alma e lhe é vantajoso, e aquilo que lhe é estranho. E é assim que evita o mal que danifica a alma, desde que este lhe é estranho e o separa da imortalidade.
6. Quanto mais se vive modestamente, mas se é feliz. Pois há poucas preocupações. Não há que se inquietar com servidores e trabalhadores. Não se busca possuir animais. Pois aqueles que se deixam pregar pelas preocupações e caem nas dificuldades que elas lhes ocasionam, culpam a Deus. Mas então esta concupiscência que só se deve a nós irriga a morte, e permanecemos a errar nas trevas de uma vida de pecado, sem nos conhecer a nós mesmos.
7. Não se deve dizer que não é possível ao homem alcançar uma vida virtuosa, mas que não é fácil. Uma tal vida também não está ao alcance dos primeiros vindos. Mas compartilham a vida virtuosa aqueles que, entre os homens, se consagram à piedade e cuja inteligência é amada de Deus. Pois a inteligência comum é voltada para o mundo, ela é mutável, se nutre de pensamentos bons como maus, se altera por natureza e se dispões para a matéria. Mas a inteligência amada de Deus se preserva do mal que a negligência suscita no homem.
8. Os homens incultos e ignorantes transformam em galhofa as palavras dos outros e recusam entendê-las, desde que lhes é criticada sua ignorância: querem que todos sejam como eles. Da mesma maneira, os homens depravados em sua vida e seu comportamento se arranjam para que todo mundo seja pior que eles: se imaginam que em meio a tantos maus, se descobrirá que eles mesmos são irrepreensíveis. A alma relaxada se perde e se suja assim na malícia que porta nela o deboche, o orgulho, a avidez, a cupidez, a rapacidade, a pena, a mentira, o prazer, o desleixo, a tristeza, a preguiça, a doença, a raiva, o sonho, o prazer, a fraqueza, o erro, a ignorância, o engano, o esquecimento de Deus. É por estes males, e por outros semelhantes, que é provocada a pobre alma que ela mesma se separou de Deus.
9. Aqueles que querem conduzir uma vida virtuosa, piedosa e louvável, não devem ser julgados sobre seu comportamento, que pode ser simulado, nem sobre sua conduta, que pode ser enganosa. Mas como os artistas, os pintores e os escultores, é pelas obras que revelam sua conduta virtuosa e amada de Deus, e que rejeitam como tantas armadilhas todos os prazeres maus.
10. Aos olhos daqueles que têm um julgamento são, ser rico e bem nascido, mas ter a alma inculta e a vida desprovida de toda virtude, é ser infeliz, como é feliz aquele que a sorte fez pobre e escravo, mas cuja vida é ornada de cultura e de virtude. Assim como os estrangeiros se perdem nos caminhos, também aqueles que não têm preocupação com a vida virtuosa se perdem em se deixando enganar pela concupiscência.
SEGUE: § 11-20; § 21-30; § 31-40; § 41-50