Anjos das Nações [ICEE]

Ioan Couliano — PSYCHANODIA

Tradução de Antonio Carnerio

Anjos das Nações

A ideia que a divindade preposta ao povo judeu é superior aos anjos prepostos a nações não é mais recente que o livro de Daniel (168-165 a.C.). As alusões a anjos dos povos são provavelmente mais antigas que essa. A Septuaginta (Dt. 32,8) interpreta o original hebreu tomando-lhe por: «de acordo com o número de anjos de Deus», aí onde a Bíblia de Texto Massorético; traz «de acordo com o número dos filhos de Israel» (também a Vulgata : “iuxta numerum filiorum Israel”). E a passagem continua assim (cito segundo a Vulgata): “pars autem Domini populus eius, Iacob funiculus hereditatis eius” (32,9). Se seguir então na Septuaginta, chega-se a esta asserção: Deus repartiu os territórios das nações segundo o número de seus anjos, de maneira que cada um dos anjos tivesse uma nação. Para o resto, as três versões da Bíblia concordam em dizer que somente o povo de Israel está diretamente sob a dependência de Deus. Em seguida, conclui E. Peterson que «das Verhältnis Israels zu den Nationen primar gar nicht als ein Verhältnis von Volk zu Volk, sondem als eines von Gott zu den Engeln der Völker aufgefasst ist». Ora, isto é precisamente o conceito que os judeus fazem de sua nação. A partir do início do sec. II a. J.C., os textos que têm em conta esta crença são bastante numerosos: Sirach 24,12, Livro dos Jubileus 15,31, etc… À época dos Macabeus, a tradição concernente aos anjos das nações tinha-se cristalizado, uma vez que o Livro de Daniel fala dos anjos dos Persas (10,13,20) e dos Gregos (10,20) e precisa que o anjo do povo judeu é Miguel (10,13,21), «um dos príncipes angélicos dos mais importantes». A ideia de não ser o próprio Deus que se ocupa do povo de Israel, mas o arcanjo Miguel, aparece também no livro etíope de Enoque (20,5). De qualquer modo, mesmo quando é Miguel que funciona como defensor e representante celeste de Israel, sua superioridade em relação aos outros anjos nacionais é muito marcada, o que se extrai como exemplo essa passagem das “Recognitiones” pseudo-clementinas: «Uni vero qui in archangelis erat maximus sorte dato est dispensatio eorum qui prae ceteris omnibus excelsi dei cultum atque scientiam receperunt».

«Ao maior dentre os arcanjos foi designado a tarefa de governar sobre aqueles que, antes de todos os outros, recebeu o culto e a ciência do deus que está nos céus.»

Esta tradição não é a única que deriva da interpretação de passagens veterotestamentárias. Ao lado dela, a hermenêutica rabínica se ocupa bem frequente de dois versículos do capítulo 24 de Isaías, concluindo que os anjos celestes das nações são culpados das ações político-militares das nações terrestres. Será necessário, sem dúvida, convir que esta interpretação, é muito mais antiga que o Talmude de Babilônia, onde está formulada de maneira cortante: «Tu não acharás nenhum povo que seja punido sem que sua divindade o seja ao mesmo tempo que ele». Já no século I d.C., era ideia bem disseminada que os anjos celestes das nações faziam a guerra entre eles do mesmo modo que as nações terrestres das quais eram os representantes e os governantes. A descrição das lutas entre os anjos está frequentemente associada à ideia da presença má de Satã ou de Samael nos céus, como na Ascensão de Isaias: «Ascendimus ego et ille (sc. angelus) super firmamentum, et vidi prelium magnum sathane (Vers, etíope e fr. lat.: Samael) et virtutem ejus resistentem honorantie dei et unus erat prestantior alio in videndo, quia sicut est in terra tanto est in firmamento, forme enim firmamenti hic sunt in terra».

«Nós subimos, eu e ele (o anjo) para o alto do firmamento, e vi o grande combate de Satã e da sua força que tinha se recusado de honrar Deus, e um era mais majestoso que o outro a ver. Pois o que existe sobre a terra se encontra no firmamento e as formas do firmamento estão sobre a terra.»