Anima – Animus [MEHT:158]

Em O que é chamado de pensamento? Heidegger paharece indicar que não está preparado para admitir que a concepção de Eckhart da “pequena centelha da alma” (Seelenfünklein) transcende de fato completamente a noção do homem como um “ser vivo” dotado de uma “diferença específica” de “razão”, ou “pensamento”:

No entanto, ainda faz uma diferença decisiva se esta característica do ser vivo “homem” é meramente incluída nas nossas considerações como uma marca distintiva acrescentada ao ser vivo – ou se esta relação com o que é, porque é a característica básica da natureza humana, é dada seu papel decisivo como padrão. (WHD, 96/149)

Não basta falar do homem como anima – um ser possuidor de um princípio de vida, pois todo ser vivo (“animal”) tem anima. Mas também não é suficiente, diz Heidegger, falar do homem como animus. Ora, animus significa, segundo Heidegger,

. . . aquele esforço interno da natureza humana que sempre é determinado e sintonizado com o que é. A palavra latina animus também pode ser traduzida pela palavra “alma”. “Alma”, neste caso, não significa o princípio da vida, mas aquilo em que o espírito tem a sua existência, o espírito do espírito [cf. Q, 319,10/Ev., 33], a “centelha” da alma de Meister Eckhart. (WHD, 96/149)

Mesmo Meister Eckhart, na opinião de Heidegger, não consegue compreender que o homem é básica e fundamentalmente uma relação com o que é e que isto não é simplesmente algo “acrescentado” ao homem.

Heidegger está, acredito, enganado sobre isso. Para Eckhart, a “pequena centelha” ou “base” da alma refere-se à “fonte” e “raiz” mais íntima (Wurzel: Q, 318,17/Ev., 32) do ser da alma. Não é algo acrescentado à alma, mas aquilo de que a alma tira a sua vida. Esta é a força da própria palavra “Grund”. Além disso, a pequena centelha da alma não é de forma alguma uma “marca distintiva” da alma porque significa aquele reino da alma onde não existem “marcas distintivas” ou “nomes”. A base da alma não é “coisa”; não pertence a nenhuma “classe” de coisas e não tem nada a ver com qualquer tipo de “diferença específica”. Na verdade, “não tem nada a ver com nada” de gênero, espécie ou diferença. A verdade simples é que, com a sua noção de “pequena centelha da alma”, Eckhart concebeu o homem não como homem, mas como uma relação pura com o Ser, que para Eckhart é Deus.