Advento Medio

THOMAS MERTON — TEMPO E LITURGIA

O SACRAMENTO DO ADVENTO NA ESPIRITUALIDADE DE SÃO BERNARDO (cont.)

A OBRA DE CRISTO EM NÓS NO “ADVENTO MÉDIO”

Evidentemente, a obra de Cristo em nós, como “Senhor das virtudes”, é produzir em nós suas próprias virtudes, transformar-nos n’Ele, enquanto o contemplamos no Mistério do Advento, imitando sua vida humilde, oculta e sacrificai. O exemplo de Cristo, portanto, torna-se um elemento naquele “julgamento” que nos é apresentado no Sacramento do Advento. Mas devemos nós esperar possuir todas as suas virtudes antes de nos podermos unir a Ele em sua passagem através de nossas vidas? Se esse fosse o caso, jamais nos uniríamos a Ele. Em primeiro lugar, pois, temos de nos unir à sua verdade por nossa humildade. Se nos julgarmos nesse julgamento presente em que o príncipe deste mundo é lançado fora, somos “julgados de modo perfeito” e podemos com segurança esperar sua vinda como Salvador.1 A humildade de Cristo, viva e eficaz em nós, nos exalta e une a Ele em sua glória. Sua humildade faz com que nada procuremos neste mundo a não ser fazer com perfeição a vontade de Deus. Quando temos essa vontade de Cristo em nós, então vêm a nós o Pai e o Filho, e fazem em nós o lugar de sua morada, mesmo na vida presente.2

Tal é o Advento oculto no qual a Sabedoria, sem ruído de palavras, constrói sua morada em nossos corações, elevando-a sobre sete colunas, e transformando nossas almas em seu palácio e em seu trono. A alma do justo é a sede da sabedoria e, portanto, a obra de nossa preparação é, sobretudo, a obra da justiça.

São Bernardo descreve essa justiça, que nos assemelha a Deus — consiste ela em dar a cada um o que lhe é devido, nossos superiores, inferiores e iguais — e mesmo o nosso corpo, pois São Bernardo jamais condena o corpo como tal.3 Entretanto, essa obra de “justiça” deve ser coroada, como ele nos disse acima, pela autocrítica que coloca nossa alma nua diante de Deus, que abre nossa alma para a graça divina, que nos “justifica” pelo livre dom de Deus. A primeira coisa que Deus nos pede é julgarmo-nos a nós mesmos, para reconhecermos o nosso nada, para nos mantermos convencidos de que nada podemos sem Ele e de que, portanto, tudo devemos d’Ele receber. Se assim nos julgarmos, Ele jamais nos julgará, porque estaremos cheios de sua graça.4

A pureza e a humildade interiores em que aprendemos a desconfiar de nossas próprias forças e a depender de Deus em tudo, sem, no entanto, negligenciar esforço para fazer sua vontade, dão-nos paz e alegria, ainda mesmo enquanto labutamos como viajores no caminho para o grande encontro escatológico com Cristo, que porá fim à história com o terceiro e final Advento.5)



  1. Serm. 4, Adv., n.3 

  2. Serm. 3, Adv., n.4 

  3. Serm. 3, Adv., nn.4-7 

  4. Tantum dicamus iniquitates nostras et iustificabit nos gratis, ut gratia commendetur. Serm. 3, Adv., n.7. 

  5. Delectabiliter dormiunt (in medio Adventu) qui eum norunt. Serm. 5, Adv., n.1