A ABOMINAÇÃO DA DESOLAÇÃO (Mc XIII, 14-16; Mt XXIV, 15-18; Lc XXI, 20-21)
14) Ora, quando vós virdes a abominação da desolação estar onde não deve estar (quem lê, entenda), então os que estiverem na Judeia fujam para os montes;
15) quem estiver no eirado não desça, nem entre para tirar alguma coisa da sua casa;
16) e quem estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa. (Mc 13:14-16)
15) Quando, pois, virdes estar no lugar santo a abominação de desolação, predita pelo profeta Daniel (quem lê, entenda),
16) então os que estiverem na Judeia fujam para os montes;
17) quem estiver no eirado não desça para tirar as coisas de sua casa,
18) e quem estiver no campo não volte atrás para apanhar a sua capa. (Mt XXIV, 15-18)
20) Mas, quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua desolação.
21) Então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes; os que estiverem dentro da cidade, saiam; e os que estiverem nos campos não entrem nela. (Lc 21:20-21)
Evangelho de Tomé – Logion 113
14) Ora, quando vós virdes a abominação da desolação estar onde não deve estar (quem lê, entenda), então os que estiverem na Judeia fujam para os montes;
O ato de ver é o resultado de “vigiar”. As almas que buscam sua purificação permanecem com sua lâmpada acesa e bem provida de azeite; são almas prudentes que vigiam e em consequência veem, descobrem, se dão conta. Isto é um fato que traz a redenção por si mesmo, pois o que estava oculto se manifesta e disso resulta a alma conhecedora do que ignorava.
Este é o método ensinado por Jesus para consumar a Boa Nova. Primeiro é necessário praticar a conversão, logo vem vigiar, estar atento, e por último, tudo consiste em “ver”, dar-se conta. Quando se chega a esta terceira fase, tudo o que havia se revela e tudo cumprimento de consuma.
Isto é o que ocorre com isso que o evangelista denomina “a abominação da desolação” (gr. bdelygma tes eremoseos), tomada de Daniel (9,27; 11,31; 12,11) e 1 Macabeus (1,54). Por “abominação” há que entender o impuro, o execrável, e por “desolação”, o devastado, convertido em deserto e portanto levado a ser ermo, infecundo.
O que Jesus o Vivente quer esclarecer para toda a geração humana através de seus discípulos, segundo seu discurso, é que o “coração espiritual” do homem, o Lugar Santo e recôndito que cada um tenta nomear como o si mesmo quando diz Eu, Eu Sou, foi reservado desde o princípio dos tempos para morada do Espírito de Deus. Instalado nesse Lugar Santo, o Espírito de Deus é o verdadeiro Ser imaculado do homem, o Ser que, por outra parte, o homem, sua consciência, não conhece.
A causa de sua ignorância do Ser recobre a alma ao Espírito de Deus com inumeráveis véus de sombra, até o ponto que quando a alma diz Eu, Eu Sou, o que imagina e nomeia realmente não é o Espírito de Deus senão um usurpador, um imitador do Espírito, um abominável “eu” de origem psicológico, isto é, criado e sustentado só pela mente.
Assim é como frente ao Eu verdadeiro, a fonte eterna de luz e de vida, erige a alma um eu mortal que invejoso da eternidade que ele não tem, se levanta com sua presença imaginária em funções do Adversário de Deus. Isto é o que profetizou Daniel quando disse: “Profanarão a cidade la do templo, abolirão o sacrifício perpétuo e porão ali a abominação da desolação” (Dn 11,31).
Profanação é com efeito e não pouco erigir na sede da fonte da vida o Baal desolador; esta profanação consiste primeiro em abolir o sacrifício constante, a adoração permanente em espírito e em verdade em favor do povo de Deus. Este, o povo de Deus, está conformado por todas as lâmpada individualizadas, ainda que acesas e virginais, em se dispersa o Espírito de Deus. Quando alguma dessas lâmpadas não recebe o reconhecimento de sua existência, equivale a “colocar o sobre o altar dos holocaustos a abominação desoladora” (1M 1,54).
Contra isso o que vem é “Ver”, dar-se conta, como prólogo a uma quarentena de purificação no deserto. Nessa passagem santa que “aparece” desolada, o protagonista da devastação é sempre o Adversário. Segundo contam os evangelistas, Jesus cumpriu no deserto o decretado pelo Espírito, e ao descobrir ao Ímpio o expulsou do Lugar — de seu coração — onde não deve estar. Com isto ensinou a obra de conhecimento que todo homem toca cumprir antes de empreender seu Caminho pela Boa Nova. Como disse Daniel: “A abominação da desolação estará… até que a ruína decretada se derrame sobre o desolador” (Dn 9,27b).
Na segunda epístola aos tessalonicenses se explica isto: “Primeiro — diz — tem que vir a apostasia (a negação do Eu verdadeiro), e manifestar-se (ser descoberto) o Homem ímpio, o Filho de perdição, o Adversário, que se eleva sobre tudo o que leva o nome de Deus, até o extremo de sentar-se ele mesmo no Santuário de Deus (no Lugar Santo) e proclamar que ele mesmo é Deus (2Ts 2,3-4).
O bom entendimento deste texto epistolar é sumamente revelador e conduz até as portas da consumação; mas é necessário compreender muito bem que o Espírito de Deus e o Adversário, podem “aparece” sentados, pela ignorância do homem, no mesmo Lugar Santo. Daí a confusão que sobrevém em muitos.
Quando tal como propôs Jesus no deserto se procede a expulsar ao Homem ímpio, se descobre que em sua sede sagrada jamais houve outra coisa que o Espírito de Deus, porque não há dois senhores, senão um só Senhor.
Foi a alma que viu dois senhores onde havia um só. Foi a alma aquela que viu uma ilha onde reinava o oceano sem bordas; o Filho de perdição ode estava o Filho de Deus. Mas nunca, em nenhum lugar, se sentou o Adversário no trono de Deus.
O inciso exortatório do evangelista, “o que leia que entenda”, revela que a obra escrita de Marcos e de Mateus é uma transcrição das expressões de Jesus o Vivente e que o relato que transmitem tem um alto voo parabólico que os evangelistas temem que não seja bem compreendido.
14b) então os que estiverem na Judeia fujam para os montes;
15) quem estiver no eirado não desça, nem entre para tirar alguma coisa da sua casa;
16) e quem estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa.
Com sua exortação à fuga aconselha Jesus alijar-se de qualquer colocação da consciência em lugares psíquicos próximos ao falso reino do Adversário. Ao dizer “Judeia” menciona o evangelista a passagem desolada na qual miticamente habita o devastador. NO deserto de Judeia foi tentado Jesus, e ali infligiu Jesus a primeira e introdutória derrota ao Ímpio quando este manifestou sua presença de usurpador. Só muito mais tarde, quando Satanás entrou em Judas, ficou consumada a sentença da Escritura: “O que come meu pão levantou contra mim seu calcanhar” (Jo 13,18).
A oposição deserto-monte, muito peculiar em toda escritura, denota a diferença entre os lugares “baixos” devastados pelo usurpador e as regiões “altas”, propícias à experiência teofânica, porque nelas habita Deus.
Por esse motivo é exortado não à fuga, senão ao permanecer onde está, aquele que vive no telhado, lugar situado na altura, como o monte. O conselho que recebe é o de não entrar em sua casa para buscar algo. É o mesmo aviso que o deu a Lot o anjo quando lhe disse: “Não olhes para trás nem pares. Escapa para o monte” (Gn 19,17). O que seguramente fazem os evangelistas com isso é comparar a “casa” e suas coisas, com a arca de todos os conteúdos subconscientes alojados na alma. Trazê-los à lembrança nos dias críticos de guerra contra o usurpador tem um perigo de regressão nada recomendável para o que se aloja ainda em precário nas alturas limpas do telhado.
Por uma razão parecida se sugere ao que vive “no campo” — na região inferior da alma — que não regresse para recuperar seu manto. É possível que com este manto queiram significar os evangelistas a identificação com o corpo enquanto este é envoltura da alma. O conselho evangélico serve para nos recordar agora que quando Elias cruzou as águas (psíquicas) a pé enxuto, teve que retirar o manto e não o recuperou porque logo preferiu ser arrebatado pelo carro de fogo.