DIVINO — VAZIO — VACUIDADE

O sétimo dia da criação marca o retorno à Origem, ou a “paz no Vazio”, como diriam os taoistas, ou o encontro com a Realidade do princípio, “nua” porque não-manifesta. Há um sentido análogo na noção do “sétimo Céu”, que coincide com o “Jardim da Essência”. ( Frithjof Schuon )

O Vazio nos pensadores orientais, longe de ser considerado uma matéria negativa, é, muito pelo contrário, visto como sendo equivalente à “plenitude absoluta” (Pleroma). O Vazio do qual é questão, convém precisá-lo, não em nenhum caso idêntico ao Nada, enquanto pura ausência, incapacidade e miséria ontológica. Não se trata do Vazio enquanto pura disposição, espaço de possibilidade, desprendimento liberador, Centro imóvel sobre o qual se apoiam e se equilibram todos os contrários e todas as oposições.

É portanto este Vazio soberano da Grande Paz, o “quarto estado” da Mandukya Upanixade, do qual é dito que é absolutamente indefinível pois absolutamente incondicionada. É esta “Paz no Vazio”, à qual se refere Lao Tze, que é precisamente o “estado indefinível” da perfeita tranquilidade, da total liberdade do ser realizado que nada mais faz que a unidade com o Todo. É o Ponto original, o Uno não manifestado, o Ponto primordial de pura virtualidade que preside à emanação da luz, de onde transborda o som primeiro, o Centro de onde aparece o Verbo, o Zero Metafísico; o “Não-Ser” que o Tao Te King denomina o “Vazio”. O sábio extinto pois estabelecido no Infinito, segundo o pensamento taoista, é aquele que, fixado no repouso, chega a alcançar o “estado de vacuidade”, que retorna à raiz de tudo, quer dizer ao Princípio, Origem primeira e fim derradeiro, que realiza o equilíbrio e o completo desprendimento em relação ao mundo das coisas e dos seres manifestados, que cumpre a extinção e se confundindo com o invisível “Meio” da roda que une todos os raios. O Vazio perfeito é o lugar da “presença divina”, o Coração eterno, o “Invariável Meio”, idêntico ao Princípio não agente (Wei Wou Wei) e do qual tudo depende absolutamente, o “estado primordial” no seio da Unidade.
*O homem e seu devir segundo o vedanta
**XXIII, “Videha-mukti e jivan-mukti”
*Simbolismo da cruz
**”As direções do espaço”
**”A resolução das oposições”
*Apreciações sobre o esoterismo islâmico e o taoísmo
**IV “Et-faqru — a pobreza espiritual”
*Miscelânea
**”As condições da existência corporal”

(René Guénon: «Dictionnaire de René Guénon»)


Shih-kung Hui-tsang, de Fu-chou, um dos grandes discípulos de Ma-tsu na dinastia T’ang, ao querer testar o conhecimento de seu prior sobre o Zen, fez-lhe esta pergunta: — Podes, segurar um espaço vazio? O monge respondeu: — Posso, mestre. — Como fazes?, perguntou-lhe o mestre. O monge estendeu o braço e fez o gesto de agarrar o espaço vazio. O mestre observou: — Como podes segurar o espaço desse jeito? — Mas de que outro jeito, então? — retorquiu o monge. Mal acabara de falar e o mestre já o agarrara pelo nariz, puxando-o com força. O monge deu um grito: — Isso é demais, vai arrancar o meu nariz! E o mestre concluiu: — Não existe outra maneira de agarrar o Vazio.

Vemos, por esse exemplo, que o Inconsciente não é, de modo algum, inconsciente de si mesmo, e também que o Vazio é de fato uma substância concreta, que podemos segurar com nossas próprias mãos. No tempo de Hui-neng, essa verdade não foi demonstrada de maneira tão gráfica, tão vivida: quando, certo dia, Hui-neng recomendou a um discípulo que estudava com muito afinco o texto Pundarika, que não se deixasse “vergar” pelo Sutra, mas que ele mesmo o “vergasse”, o Mestre tinha em mente a mesma ideia demonstrada na prática por Shih-kung. Só que Hui-neng estava combatendo verbalmente, isto é, valendo-se da mesma arma empregada por seus discípulos num terreno mais ou menos conceitual.

Quando se diz aos budistas que o Buda não vem de parte alguma e nem vai para lugar nenhum, ou que o Dharmakaia é como o espaço vazio e é encontrado onde ocorre o estado de não-mente (wu-hsin), eles se sentem perdidos ou procuram agarrar o espaço vazio, imaginando que assim chegarão a algum lugar. Mas eles jamais despertarão para Prajna sem que antes se lhes torça com força o nariz e as lágrimas saltem de seus olhos.

Mesmo quando eles ouvem dizer que todo o ser é dotado da natureza de Buda e que eles são Budas assim mesmo como são, eles se privam da condição de Buda porque discriminam “eu e Buda”; a compreensão discriminativa cria uma barreira artificial entre eles e Buda. O trabalho de Hui-neng consistiu todo ele em romper essa barreira; por isso, afirmou: “Desde o princípio nada é.” Essa afirmação deve ter perturbado os seus discípulos, porquanto foi emitida por um homem tido por ignorante, um lenhador analfabeto de Shinchou. (Daisetz Suzuki: Doutrina Zen da Não-Mente)


La palabra «Vacío» no debe ser entendida, en este contexto, en un sentido puramente negativo. Posee un significado positivo y, desde esta perspectiva, el Vacío debe relacionarse con lo Omnipresente que aparece en la cita.

He traducido la expresión china da tong, literalmente «gran difusión», por lo Omnipresente basándome en la interpretación de Cheng Xuan-ying, que identifica da tong con da dao, la gran Vía, diciendo: «da tong es lo mismo que da dao; dado que la Vía impregna todas las cosas, animándolas, se puede decir, en este sentido, que es Omnipresente». Esta interpretación parece correcta, si bien debe ser complementada con otro aspecto del asunto, a saber, que durante la experiencia del estado espiritual en cuestión, todas las cosas, en su infinita multiplicidad, se impregnan libremente unas a otras, sin obstrucción alguna, y que el hombre que ha perdido su «ego» lo redescubre, en el transcurso de esta experiencia, bajo una forma totalmente distinta, la de lo que podríamos llamar Ego universal, cósmico o transcendental, que se transforma en todas las cosas que, a su vez, se transforman unas en otras.

Esa debe de ser la razón de la utilización de la expresión da tong en lugar de la más usual, dao, la Vía. Guo Xiang pone de manifiesto este punto al explicar el texto de la siguiente manera: «por “dentro”, el hombre no tiene consciencia de su existencia física. Por “fuera”, no advierte la existencia del Cielo y la Tierra. Sólo en este estado se identifica por completo con el proceso ( cósmico ) del Cambio (o sea las “transformaciones”), sin que se produzca obstrucción alguna. Una vez en dicho estado, nada hay que el hombre no pueda impregnar libremente».

Zhuangzi expresa la misma idea de un modo mucho más lacónico:

Una vez unificado, no tienes agrado. Una vez transmutado, no tienes fijeza.

Basándonos en la explicación anterior, el significado de esta lacónica declaración se puede interpretar así: una vez unificado e identificado por completo con la Vía, el hombre no puede tener ni agrados ni desagrados. En este estado espiritual, transciende las distinciones corrientes entre lo «correcto» y lo «erróneo», lo «bueno» y lo «malo». Dado que está identificado con la Vía y que ésta se manifiesta constantemente en infinidad de formas del Ser, el hombre también se «transmuta» de una cosa en otra, sin que se produzca obstrucción alguna, como si se moviera en el gran Vacío. En realidad, no se encuentra en el «vacío» puesto que hay cosas palpitantes de Vida omnipresente, que aparecen y desaparecen en una infinidad de formas variopintas. Sin embargo, lo importante es que, en este Vacío metafísico, las cosas ya no representan obstáculos a la libertad absoluta del hombre en cuestión, ya que él mismo es, en este estado, completamente idéntico a cada una de esas cosas y participa desde dentro en el flujo cósmico de la Transmutación. Mejor dicho, él es la Transmutación cósmica. A esta situación se refiere la expresión «no tienes fijeza», refiriéndose la «ausencia de fijeza» a la flexibilidad ilimitada y la libertad absoluta. (Toshihiko Izutsu – Sufismo e Taoismo)