Muitos de nossos irmãos judeus se interrogam hoje em dia sobre a pessoa de Jesus e se voltam para os Evangelhos: Jésus rendu aux siens : Enquête en terre sainte sur une énigme de vingt siècles,”En vérité, je vous le dis”, Shalom Jesus, e outras obras ainda, disto são testemunha. Por seu lado, numerosos cristãos se voltam para a Tradição judaica e aprendem o hebreu para melhor ler a Bíblia cuja tradução não escapa — e não menos que outras! — à «traição»…
Um desejo inegável de reencontro se exprime, que quer não somente pôr fim a séculos de rejeições, de desconhecimento e de anátemas, mas também de nos enraizar de novo e nos expandir em nossas Tradições respectivas das quais temos a intuição que sua separação as altera; intuição que se torna certeza quando realizamos a experiência de uni-las. Em resposta à leitura judaica dos Evangelhos, proponho em todas as minhas obras uma leitura cristã da Torá, acompanhada a princípio nisso por muitos amores à língua hebraica.
Não podemos ir aos Evangelhos para uns, à Torá para outros, senão em revestindo «orelhas para ouvir». Trata-se certamente das orelhas do coração que se abrem ao imponderável, ao totalmente novo, nos «cortes do prepúcio» deste centro do Homem, tão fechado, até bloqueado nas ideias do mental, que fazem lei. Trata-se de encontrar o caminho do Pardes, aquele que exige a leitura de todo texto sagrado, desde o nível do Pshat, do que é «simples», até aquele do Sod, do «secreto». Pois, não nos iludamos, só será no coração do Sod — do «secreto» — que nos reencontraremos de verdade. Fazer o caminho do Pardes implica — o nível do Darash nos diz claramente — que seja percorrido dentro de nós, nas mutações que exigem de nós as mensagens que libera o texto para cada nível de leitura, cada um sendo ele mesmo o fruto de um campo de consciência aberto em nós por uma precedente mutação do ser. Nenhum computador não o fará em nosso lugar. As qualidades intelectuais e os mais altos graus de cultura adquiridos não têm acesso a esta qualidade de inteligência nova nascida dentro de nós, com o crescimento da Árvore do Conhecimento a qual somos chamados a se tornar o fruto.
Ir para estes textos em permanecendo ao nível do Pshat, é exercer sobre eles uma redução tal, que esta mesma nos elimina; e querer justificar esta leitura a golpes de argumentos históricos, tão científicos sejam eles, coloca a crítica histórica acima do sagrado que se refere a uma outra lógica; o perigo é tamanho, aquele de sempre erigir nossas ideias em ídolos! Morrer para nós mesmos destas caras ideias adquiridas, nossas verdades tidas por imutáveis e nossas sabedorias, é disso que se trata para nascer para novas luzes, dia após dia, incansavelmente, e em nós todos, judeus e cristãos; nos é preciso então entrar em ressonância em nós mesmos com a Imagem divina fundadora de nosso ser, nossa verdadeira identidade que é o «Filho do Homem», estéril em nós enquanto estamos no esquecimento dele, mas que se torna vivo se dele nos recordamos e de sua exigência de crescimento.
Certamente não é nos instalando em nossas posições respectivas, o que obedeceria a uma lógica de morte, que poderemos nos reencontrar, mas na obediência ao «Vai para ti» ordenado por Deus a Abraão como à Bem-amada do Cântico dos Cânticos e a nós mesmos, nas amorosas tensões de vida, que podem nos conduzir até o limite de nós mesmos, quer dizer até ao Sod.
A esta etapa do caminho, um mesmo fluxo de vida, muito além de toda vontade humana, até das melhores boas vontades ecumênicas, reunirá de imediato entre eles os cristãos separados, como reunirá as diferentes correntes do judaísmo que se opõem umas às outras hoje em dia.
DE SOUZENELLE, A. Résonances bibliques. Paris: Albin Michel, 2012.