A constituição do ser humano no judaísmo
Segundo Renan o que distingue a família semita é ter ainda conservado a união primitiva da sensação e da ideia, que deixa de existir na línguas arianas (melhor dizendo greco-latinas). A degeneração doutrinal do cristianismo se deve a helenização de esquemas estruturais e antropológicos do judaísmo, expressos em sua língua semita, por exemplo adotar a “imortalidade da alma” (representação platônica, inadequada ao homem bíblico) em lugar da “ressurreição da carne e a vida eterna” do credo cristão.
Porque ignora a dicotomia corpo-alma o hebreu denomina coito: conhecimento (connaissance — co-naissance); como lembra Claude Tresmontant no amor uma alma conhece outra, não há um corpo entre elas: o corpo é a alma.
Toda a “desorientação ocidental”, traduzida em obsessão sexual, disputas vãs sobre os benefícios ou malefícios do celibato sacerdotal, psicanálise, etc., tem, talvez, sua origem neste falso dualismo alma-corpo.
A Ressurreição dos “mortos” (anastasis nekron) é aquela do “homem inteiro”, sem confusão com a “imortalidade da alma” platônica, que os grandes concílios precisaram a respeito da ressurreição: “cum corporis suis”.
O elemento “sobrenatural” do homem bíblico que resta é o “Ruah”, “Rouach”, traduzido por Espírito na tradução dos Setenta (Pneuma divino). O Nabi (profeta é um Ish ha Ruah (Oseias IX,7). Pelo pneuma pode o homem passar da ordem individual à ordem principial ou universal; o homem essencial é assim um homem de passagem (Páscoa = Pessah). O Pneuma se torna o signo conjuntivo, o “Vav”, do homem a Deus.
Distinção entre a “manifestação” e seu “Princípio divino”, o homem (carne-alma) e Deus (conhecido pelo Espírito); este Ruah é o fator de deiformidade tornado possível pela “encarnação” da Palavra “concebida pelo Espírito Santo e nascida carnalmente da Virgem de Israel”, e pela Ressurreição dos mortos do Crucificado, ulteriormente “subido aos céus”, etc. Todos os termos aqui são confirmação da doutrina. “Vós sois todos Deuses”, dirá a Escritura. Esta divisão se estabelece assim entre dois triângulos simbólicos: o de baixo, identificado à natureza humana, o do alto, identificado à natureza divina. Triângulos separados pelo ramo horizontal da cruz mas unidos pelo ramo vertical da cruz, o “Vav” hebraico de copulação espiritual. Eis o escudo de Davi e a “dupla natureza” do Cristo Jesus1.
O Ruah no homem é participação no Espírito de Deus; esta presença no homem do Espírito de Deus é possível pela existência do Ruah no homem: “Se … lhe retiras o sopro (Neshama) e seu espírito (Ruah)… o homem retorna ao pó” (Escondes o teu rosto, e ficam perturbados; se lhes tiras o fôlego, morrem, e voltam para o seu pó. Sal 104:29).
Donde o aviso no Eclesiastes: “E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu.” (Ecle 12:7)
Mais uma vez: nenhuma imortalidade da alma nisso!
Deus é chamado “Deus dos espíritos de toda carne” (Mas eles se prostraram sobre os seus rostos, e disseram: O Deus, Deus dos espíritos de toda a carne, pecará um só homem, e indignar-te-ás tu contra toda esta congregação? Num 16:22)
Vê-se que em termos bíblicos se encontra uma constante metafísica que as doutrinas orientais põem em evidência.
A alma é o “eu biológico” que só pode “viver” com o corpo “pela transformação da corrupção em incorruptibilidade” (“E agora digo isto, irmãos: que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção.” 1Co 15:50)
- Esta “trans-formação” (passagem além da forma) é uma exigência do Espírito, Ruah, pois “o que nasce da carne é carne e o que nasce do Espírito é Espírito” (O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo. Jo 3:6-7)
A referência ao judaísmo para compreensão da mensagem evangélica é necessária especialmente quanto aos fundamentos da estrutura do homem: carne — “alma vivente” — corpo e alma — ordem psico-somática; Espírito — Espírito de Vida — ordem espiritual.
Escreveu-se que Deus se fez homem no Cristo para que o homem se tornasse Deus “com Ele, em Ele, e por Ele”: É a deificação da perspectiva cristã oriental, ou ainda a significação dos dois triângulos inversos e entrelaçados do “Maghen Davi” e não por “azar” se o centro desta figura comporta o Nome Divino do Poderoso (Schaddai).
Pode-se afirmar que em Cristo, o Infinito, tomou a condição do finito, por Jesus, filho de José, judeu de nascimento carnal, para que nEle, “ponto de intercessão” entre o Céu e Terra, a natureza humana possa ser capaz de Infinito… ↩