ATOS DE JESUS — PURIFICAÇÃO DO TEMPLO (Mt XXI, 12-17; Mc XI, 15-19; Lc XIX, 45-48; Jo II, 13-22)
EVANGELHO DE JESUS: Mt 21:12-17; Mc 11:15-19; Lc 19:45-48; Jo 2:13-22
Joaquim Carreira das Neves: ESCRITOS DE SÃO JOÃO — JESUS E O TEMPLO
Os autores perguntam-se sobre a ação simbólica desta narrativa e sobre o fato histórico da mesma. Terá Jesus usado de violência física nesta ação simbólica? Ter-se-á manifestado como um “zelota” político ou como um “zelota” profeta, à maneira dos essênios, que negavam a razão de ser do Templo?
É fato que a literalidade do texto acentua, muito para além da literalidade dos Sinópticos, o fator da “violência”: “Então, fazendo um chicote de cordas, expulsou a todos do Templo com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas pelo chão e derrubou-lhes as mesas; e aos que vendiam pombas, disse-lhes: ‘Tirai isso daqui. Não façais da casa de meu Pai uma feira’. Os seus discípulos lembraram-se do que está escrito: o zelo da tua casa me devora” (vv. 15-16). A gravidade consiste em expulsar “a todos do templo com as ovelhas e os bois”. Semelhante ato conduziria necessariamente a uma batalha campal. Os Sinópticos referem a ação de Jesus apenas contra os cambistas e vendedores de pombas, e a ação de Jesus como uma ação de universalismo religioso: “Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões” (Mc 11, 17 e par.). O Jesus de Marcos (e par.) cita Is 56, 7 conjuntamente com Jr 7, 11, enquanto que o Jesus joanico cita o SI 69, 10: “O zelo da tua casa me consome”.
O fato de João referir os que vendiam ou sacrificavam os bois e ovelhas tem em vista a substituição do sacrifício dos animais em vez dos humanos pelo sacrifício do próprio Jesus. Jesus passa a ser o Templo e o sacrifício (v. 21: “ele falava do Templo que é o seu corpo”).
Não se trata duma ação “revolucionária” em termos políticos, nem duma ação profética dirigida contra o templo em si. Trata-se duma ação profética contra o Templo à maneira de Jr 7,4 ou Ez 7,4 (cf. os gestos proféticos como mensagens de encenação em Is 20,2; Jr 13,1-11; 32,1-15; Ez 3, 25-27; 12, 3-7). Se a ação de Jesus tivesse a densidade histórica que lhe confere o texto de João desencadearia uma “batalha campal” entre Jesus e os vendedores de gado graúdo, cambistas e vendedores de pombas. Sabemos que Herodes mandara construir a Torre Antônia, colada ao Templo, para que os soldados romanos pudessem intervir no recinto do Templo em tempos de sublevação social ou política. Assim aconteceu com a “falsa” intentona de Paulo de Tarso (Ac 21, 27-32).
A afirmação de Jesus: “Destruí este santuário e em três dias o levantarei” (v. 19) tem todo o jeito de ser “ipsissima verba” se tivermos em atenção as provas de condenação contra Jesus no processo do Sinédrio (Mt 26,61 e par.). Nem os profetas nem Jesus têm em vista a destruição do Templo ou a sua substituição por uma espiritualidade interior ou intimista, mas tão somente a conversão do coração como consequência dos atos “sacramentais-simbólicos” dos sacrifícios dos animais. Já Amós proferira: “Ide ao Templo de Betei para prevaricar” (Am 4,4). Amós não deseja a prevaricação como ato litúrgico, mas serve-se da ironia profética para lançar o repto da disposição interior no próprio ato litúrgico.
Jesus critica o Templo por se transformar em “casa de comércio” e em “casa de privilégios duma religião fechada”. Os historiadores concluem que os benefícios do comércio dos sacrifícios eram monopólio da família de Anás e Caifás, mas a ação profética de Jesus vai para além das ações proféticas clássicas, porque a fé da Igreja joanica, dirigida pelo Espírito, descobre que o verdadeiro Templo é o corpo do Cristo pascal, de acordo com o que o autor da carta aos Colossenses também afirma (“porque foi nele que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude” (1, 19) e o autor da carta aos Hebreus explana per longum et latum nos cc. 8-10. A imagem de Mt 28,51, ao afirmar que “o véu do Templo se rasgou em dois, de alto a baixo”, imediatamente depois da morte de Jesus, acoplada à imagem dos mortos ressuscitados, afirma a mesma verdade teológica — a partir daquela morte-ressurreição, o Templo verdadeiro é universal, porque se concretiza na pessoa do mistério pascal de Jesus, Senhor dos vivos e dos mortos.
Roberto Pla: Evangelho de Tomé – Logion 35