EVANGELHO DE JESUS — GENEALOGIA DE JESUS CRISTO (Mt I,1-17, Lc III,23-38)
EVANGELHO DE JESUS: Mt 1:1-17; Lc 3,23-38
Nos primeiros 17 versos de Mateus é traçada uma genealogia de Jesus, com 42 antepassados em três etapas de 14 gerações cada: de Abraão a Davi, depois até o cativeiro dos israelitas na Babilônia, e finalmente chegando a José, o esposo de Maria. Que sentido espiritual pode ter esta descrição detalhada? Que significado podem ter os números aplicados e os nomes citados? Tudo deve estar indicando algo a respeito da constituição Daquele que se apresenta como nosso Salvador pessoal.
Do mesmo modo, outra genealogia de Jesus nos é dada no início do Evangelho de Lucas. Esta genealogia, por sua vez, não é a mesma dada em Mateus. Em Lucas são nomeados 54 antepassados de Jesus a montante (em Mateus a lista culmina em Jesus), e, em Lucas, a partir de Davi se segue a lista por Natan, ao invés de Salomão, como em Mateus. Fica a questão, ainda mais reforçada por esta genealogia “diferente”, porque no anúncio da “Boa Nova” se relacionam sucessivas gerações (não uma em seguida a outra no tempo), de progenitores Daquele que Roberto Pla nos apresenta como o Cristo “oculto”, o Filho do homem que todo homem leva em si mesmo, a única luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo (Jo 1,9).
Poderia cada nome, originalmente em aramaico (língua derivada do hebraico), onde os nomes têm um sentido próprio (por vezes mais de um sentido, inclusive de acordo com o gematria), indicar algo sobre o caminho até o “nascimento” de Jesus no homem, através de Maria em sua “imaculada concepção”, revelação oculta e pessoal de Cristo para todo aquele que percorreu esta “genealogia”.
Se atentarmos para a citação abaixo de Roberto Pla, fica ainda mais claro que a genealogia de Jesus deve estar de fato se referindo a algo como uma sucessão de “condições” ou “trabalhos”, “nomeadas” segundo cada progenitor, a serem efetivados para que finalmente a “virgem” em nós, a parte mais pura de nossa alma, possa ser “coberta” pela sombra do Espírito Santo, em total submissão, como serva de Deus, concebendo Jesus: “Respondeu-lhe o anjo: Virá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso o que há de nascer será chamado santo, Filho de Deus.” (Lc 1,35).
Orígenes: HOMÉLIES SUR SAINT LUC XXVIII — LA GÉNÉALOGIE DU SAUVEUR
Romano Guardini: ORIGEM
Jean Tourniac
OS TRAÇADOS DE LUZ (tradução Antonio Carneiro)
Não devemos ver uma teofania do Shadai nessas três vezes quatorze gerações que vão de Abraão ao Cristo segundo o Evangelho de Mateus? Teofania que simboliza a « Terra prometida » descoberta pelos israelitas após três vezes quatorze estações no deserto, após Moisés. Remeteremos para esta exegese à 27ª homilia sobre os Números de Orígenes. Poder-se-á sem dúvida julgar pueril e pouquíssimo segundo a hermenêutica judaica cristã a aproximação que estabelecemos assim entre a genealogia de Jesus e os números constitutivos de Schadai, dispostos deste modo. Entretanto, faremos observar que a tradição judaica não hesita em usar do mesmo modo tanto a propósito das três palavras de quatorze letras do « Schema Israel »: “Adonai Elohenou Adonai”, nos quais vê o “schin” de valor 3 ou 300, e o “dai” de valor 14 (cf. « Zohar » III 243 b/230 b/231 a) e o número do Metatron « vestimenta de Schadai », quanto à propósito da disposição dos laços e caixas dos filactérios.
Abade Stéphane
A questão das duas genealogias do Cristo apresenta algumas dificuldades cuja solução conduz a notas interessantes. Pode-se afirmar que Mateus apresenta a genealogia “legal” e Lucas a genealogia “natural”. Sendo a primeira referente a São José a segunda a Maria. Embora aparentemente se refiram ambas a José, não se deve esquecer que José e Maria seriam primos, e com certas considerações levando em conta que entre os nomes citados Heli, Heliakim e Joaquim (pai de Maria), seriam sinônimos.
Ambas as genealogia tem Davi como ponto de referência comum por uma série diferente de nomes, o que confirmaria a proposição de uma genealogia legal e outra natural. Assim os evangelistas dariam a genealogia de Jesus sob dois aspectos diferentes, apresentando-o como herdeiro de Davi não somente legal, mas natural. Mas do ponto de vista teológico as duas exprimem a sua maneira o dogma das duas naturezas do Cristo: a natureza divina e a natureza humana, unidas na Pessoa do Verbo. A genealogia legal corresponde à natureza divina posto que parte de Abraão, pai do Povo eleito, e se situa por consequência na ordem da Graça. Enquanto isso a genealogia natural remonta a Adão e se situa na ordem natural.
Michel Henry
EU SOU A VERDADE [MHSV]
A esta genealogia de Jesus que ocupa o lugar inicial no texto dos Evangelhos de Mateus e Lucas, há uma ratificação imediata que se segue, muito pouco notada. Não é São José, tanto em Mateus quanto em Lucas, que é o pai do Cristo. Estranha genealogia que só é exposta para ser refutada em seguida. E a condição da Virgem que tanto embaraçou os teólogos, a ponto deles não verem outra solução a este embaraço que a formulação de um artigo de fé — este artigo portanto não poderia de maneira alguma significar a manutenção oblíqua e a reafirmação da genealogia humana de Jesus, se é verdade que a Virgem só deve portar o Filho pela intervenção do Espírito Santo, quer dizer de Deus. Que ela seja objeto de embaraço da parte dos crentes, de ironia da parte do incrédulos, a afirmação da virgindade de Maria oculta mal, atrás de seu conteúdo aparentemente absurdo, a tese essencial do cristianismo, a saber: nenhum homem não é filho de um homem, e menos ainda de uma mulher, mas somente de Deus.
A genealogia humana do Cristo não é tal, tão modesta ou tão insignificante, que possa ser descartada com um abano de mão. Aí não se encontra, ao lado do último nomeado, um humilde carpinteiro que não é justamente o pai de Jesus, ancestrais prestigiosos, profetas e mais que profetas, fundadores da religião na qual Jesus foi formado: Davi, Abraão, para não citá-los apenas? O que é estupeficante então e não poderia de deixar de aparecer como tal às religiões de seu tempo, é ver o Cristo empreender deliberadamente de se comparar a estas colunas, poderia se dizer, do judaísmo. E isso a fim de mostrar sem equívoco a infinita superioridade de sua própria essência sobre a sua: sua condição de Arque-Filho precisamente no sentido que dissemos, ou seja sua igualdade com Deus.
Textos terríveis e magníficos confirmam a rejeição de toda genealogia humana do Cristo assim como o conjunto de relações fundadas sobre ela não pode se compreender sem um retorno a seu princípio posto a nu. «Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?» E estendendo a mão para os discípulos, disse: «Eis minha mãe e meus irmãos. Pois quem quer que faça a vontade de meu Pai que está nos céus, é ele que é meu irmão e minha irmã e minha mãe» (Mt 12, 48-50). A subversão da ordem humana fundada sobre a genealogia humana é total, remetendo não menos evidentemente a uma outra ordem, àquela da genealogia verdadeira: «Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; E assim os inimigos do homem serão os seus familiares. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim. E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim. (Mt 10:34-38). Sob o caráter em aparência ético destas prescrições se afirma uma fenomenologia: é porque o pai humano, com a constelação das relações construídas ao redor dele, não é ele mesmo senão aparente e fracassa. Mas o pai humano não é um pai aparente senão porque é um pai mundano: é porque a vida não se mostra no mundo que nenhuma geração aí não se produz e que no mundo nenhum pai não é nele um, não mais que nenhum filho.
Hermetismo
Meditações Tarô
Outro exemplo do simbolismo da espiral, enquanto arcano do crescimento, é a preparação da vinda de Cristo na história. O Evangelho segundo Mateus faz dela uma espécie de genealogia de Jesus, resumida numa única frase:
“De Abraão até Davi, quatorze gerações; de Davi até o exílio na Babilônia, catorze gerações; e do exílio na Babilônia até Cristo, quatorze gerações (Mt 1,17).
Eis aí a espiral da história da preparação da vinda de Cristo, espiral de três círculos ou “passos”, cada um de catorze gerações. O primeiro círculo ou “passo” da espiral é aquele no qual a tríplice impressão dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó — impressão do alto, correspondente ao sacramento do batismo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo — tornou possível a revelação e a aliança do monte Sinai e chegou ao estado em que a Lei se tornou alma numa pessoa humana, a de Davi. Porque foi em Davi que os mandamentos e as ordenações da Lei revelada “com trovões, relâmpagos e uma espessa nuvem sobre a montanha . . . ao povo amedrontado”, se interiorizaram ao ponto de se tornarem amor e consciência, coisas do coração atraído pela verdade e beleza deles. Em Davi a Lei se tornou alma: por isso, também as suas transgressões deram lugar, na alma, a uma força nova, a penitência interior.
O primeiro “passo” da espiral, as catorze gerações de Abraão até Davi, corresponde, pois, ao processo de interiorização, que se verificou desde o sacramento do batismo (os três patriarcas), passando pelo sacramento da confirmação (a Aliança no deserto do Sinai), até o sacramento da penitência.
O segundo círculo ou “passo” da espiral, as catorze gerações de Davi até a deportação para Babilônia, é a escola de Davi, a escola da penitência interior, a qual alcançou seu fim exterior, a expiação, a deportação para Babilônia.
O terceiro círculo ou “passo” da espiral, as catorze gerações da deportação em Babilônia até Cristo, corresponde ao que se passa espiritualmente entre o último ato do sacramento da penitência — a absolvição — e o sacramento da Sagrada Comunhão ou Eucaristia, o da presença e recepção de Cristo.