Evangelho de Tomé – Logion 106
O que Deus criou no princípio, segundo a epígrafe sumária do relato da criação, foram os céus e a terra. A estes é aos que chamamos “o mundo”.
No sentido objetivo, os céus são o firmamento, as águas, e a terra é o solo seco; mas entendidos no subjetivo os céus e a terra são os dois grandes reinos: o psíquico, que no homem chamamos “a alma” e do da matéria, o hílico, que no homem chamamos “o corpo”.
Estes dois reinos conformam em seu conjunto objetivo-subjetivo a totalidade do mundo criado, mas para sua existência dependem, ainda que eles mesmos o ignoram em quase todos os casos, de um reino primeiro, invisível, espiritual, não criado. Este reino primeiro é o da luz, a Palavra, o Filho, e costuma nomear-se como o Reino de Deus.
Em sua qualidade de ser os dois reinos criados, os céus e a terra carecem de eternidade, e por isso estão destinados à consumação com a totalidade do “aparato” de ordem objetivo ou subjetivo. Isso significa que os dois reinos terminarão algum dia ou, como diz Jesus com o emprego de um verbo que assinala a temporalidade própria destes dois reinos: “O céu e a terra passarão” (Mt 24,35).
Acerca desta realidade de que os céus e a terra estão chamados a “passar”, a desaparecer, há abundância de testemunhos nas Escrituras de ambos testamentos, ainda que talvez o mais belo e definitivo destes seja a previsão de Isaías: “Os céus como fumo se dissiparão, a terra como uma vestimenta se gastará e seus moradores como o mosquito morrerão”.
Com efeito, sejam atmosfera, água, ou alma, a destruição natural que aos céus corresponde é a dissipação; e seja matéria ou corpo, o que o toca à terra será sofrer o desgaste incessante e contumaz do tempo. Quanto ao morador de céus e terra, o homem psicofísico, seu único final decretado é, como se sabe, a morte.