PAIXÃO — CALVÁRIO (Mt XXVII, 32-56; Mc XV, 21-41; Lc XXIII, 26-56)
Roberto Pla: Evangelho de Tomé – Logion 58
Morte e negação são uma mesma coisa no caminho religioso embora se mostrem em esferas distintas, é o que há que entender.
No mistério cristão a morte de Jesus, o Cristo manifesto elevado na cruz, foi a semente semeada na orbe cristã para iluminação de todos. Em seguida dessa fonte sagrada, o ato da morte, a entrega do sangue, a resignação da dor, a doação da vida em um gesto soberano de grandiosa generosidade, preencheu por si só de conteúdo, ao longo dos séculos um signo exemplar como construção religiosa.
Mas esta morte “em carne e em sangue” conhece junto a ela, em paralelo à morte visível do Cristo, a Paixão, escrita também por Jesus, embora não com sua morte senão com sua vida, no Evangelho e que é o ato exemplar, válido para todos, de uma morte da alma que só pode se dar dia a dia, na culminação de um gesto calado, oculto, desconhecido de muitos, ou ao menos, não valorizado tão categoricamente.
No entanto, a morte da alma é uma crucificação invisível, feita de pequenas ou grandes entregas solitárias, não só enquanto generosidade aos demais, senão também enquanto negação de si mesmo, pois o ser dos outros e o ser de si mesmo, são um só, o Ser, na balança da justiça. Para se negar por completo a si mesmo há que ceder a alma dia a dia e morrer assim todos os dias um pouco até cumprir a humilhação absoluta de tudo o que diferencia do Pai.
Evangelho de Tomé – Logion 87
Segundo a vertente manifesta, Jesus, o Cristo, possuía na carne, possui ainda em sua eterna habitação celeste, a imagem subsistente do Pai e a semelhança com a forma de Deus (vide Imagem e Semelhança). Esta última, a semelhança, a revestiu “perfeita” a partir da ressurreição dentre os mortos. Imagem, semelhança e corpo constituem em Jesus Cristo uma realidade manifesta — ainda que invisível para nós — em uma unidade de consciência inseparável.
No entanto, alguns gnósticos cristãos, habituados à não identificação de sua consciência não somente com seu corpo, senão também com os movimentos de sua semelhança (de sua alma), o que viram desde sua concepção oculta foi uma dissociação da unidade constitutiva do Cristo Jesus, em uma tricotomia de diferentes níveis de consciência. Esta dissociação os permitiu contemplar o tremendo acontecimento real da morte de Jesus na cruz de vários ângulos distintos superpostos.
Do que falam estes cristãos gnósticos não só do Cristo oculto, a imagem ou manto de Luz do Pai que é a essência de Jesus, senão também da alma, a consciência psíquica, denominada as vezes por eles, o Cristo animal. Por último, contemplam os gnósticos a Jesus elevado na cruz, um corpo privilegiado com o que harmonizam em perfeição o resto dos moradores da Casa de Cristo, do Templo, cuja essência haveria de levantar depois nos três dias simbólicos (v. Três Dias). Neste acontecimento não subsiste identificação nenhuma, porque as funções designadas às ordens do hílico, do psíquico e do pneumático pertencem a reinos diferentes e estão perfeitamente dissociadas, sem sair da unidade de Jesus.
Com sua descrição, com sua audaz radiografia antropológica, dirigem os gnósticos seu olhar a Jesus sem deixar de ver nele tudo quanto este tem de paradigma do “anthropos” universal, quer dizer, de todo homem que vem a este mundo.
O relato do fato histórico da morte de Jesus na cruz, visto “desde dentro”, desde o interior de Jesus, mediante um olhar agudo que só é possível porque o concede “em espírito” o Salvador, o “resplandecente pleno de luz”, é muito revelador, e vale a pena estudá-lo com o testemunho de alguns dos documentos hoje felizmente recuperados. Este estudo exige a tarefa não demasiado fácil de restituir ao rigor da pura vertente oculta, a muita mas ambígua luz que aparece entre os costumeiros excessos de imaginação dos cristãos gnósticos (vide Apocalipse de Pedro, Atos de João e Vivente declara (Apocalipse de Pedro), “que primeiro estava no corpo”, e isto há que entendê-lo como um tempo em que sua consciência se identificava com seu corpo, o qual é uma maneira de entrar em “prisão”. “E fui aprisionado — adiciona — e logo liberado deste corpo, no caminho do Calvário (vide RENÚNCIA).
Evangelho de Tomé – Logion 113
*SIMÃO CIRENEU
*CRUCIFICAÇÃO
*ABANDONO DE DEUS
*VÉU DO SANTUÁRIO RASGOU