Anúncio do Paracleto (Jo XIV, 16-23)

EVANGELHO DE JESUS

16 e eu intercederei junto ao pai.
Ele vos dará um outro consolador,
para que ele esteja convosco em perenidade,
17 o sopro da verdade que o universo não pode conceber, porque ele não o vê e não o conhece.
Vós o conheceis; ele permanece em vós e está em vós.
18 Não vos deixarei órfãos; venho a vós.
19 Ainda mais um pouco,
e o universo não me verá mais; mas vós me vereis, porque eu vivo e vós vivereis.
20 Nesse dia, sabereis que estou no pai,
e vós em mim e eu em vós.
21 Quem tem minhas ordens e as observa, este é aquele que me ama.
E quem me ama será amado de meu pai.
Eu o amarei e me manifestarei a ele.»
22 Iehouda, não o homem de Qériot, lhe diz: «Adôn, o que aconteceu,
para que te manifestes a nós e não ao universo?»
23 Iéshoua responde e lhe diz:
«Se alguém me ama, que guarde minha palavra! Meu pai o amará. Nós viremos a ele; e faremos nele morada. [Chouraqui]


Roberto Pla: Evangelho de ToméLogion 92

v. 16 Ao dizer “outro” indica Jesus uma dualidade, que se pode interpretar, segundo se verá, como o Espírito que “ungiu” a Jesus, de onde este foi Cristo (manifesto); e o Espírito, pronto a ungir aos que o “recebem” e entretanto e por conseguinte, “oculto”.

Por outra parte, o plural dos destinatários e dado que o auxílio soteriológico do Paracleto deve entender-se que alcança a todos, pois em todos “mora e está”, sugere que o Espírito se acha difundido em todos e embora aponte nesse sentido uma pluralidade de receptores, não nega a unidade de ser um só espírito.

Também, quando Jesus diz “outro Paracleto”, se subtende que a partir do momento no que Jesus disse: “O Espírito do Senhor sobre mim, porque me ungiu”, começou enquanto Cristo manifesto a exercer a função de Paracleto (auxiliador) ao derramar em ensinamentos sobre seus seguidores os frutos da unção que ele havia recebido.

Quanto a sua petição ao Pai, feita em qualidade de Filho, de ser “uno com o Pai”, serve para garantir a continuidade da ação reveladora de Jesus, o Cristo manifesto por obra do Espírito que o ungiu, e a ação reveladora direta do Espírito sobre todos os que o recebem. É o Filho, instituído Filho do Homem, Cristo “oculto” em todos os homens, pela revelação do Espírito, a garanti dessa continuidade.

vv 16-17 para que esteja convosco, para sempre, o espírito da verdade, a quem o mundo não pode receber, porque não vê nem o conhece. Mas vós o conheceis, porque mora em vó e em vós está.

Que o Espírito de Deus habita em todos e cada um dos homens, é o ensinamento capital da Boa Nova, e isso não necessita comentário. Mas só os que o “recebem”, os que unem o Espírito a seu espírito, alcançam vê-lo e conhecê-lo.

Esta obra se cumpre com os discípulos de Jesus, os quais o recebem, se o veem e o conhecem, é porque eles “não são do mundo”, pois do contrário, tal como sucede com quem são do mundo, não o puderam receber.

Se ao Espírito o denomina aqui Jesus “o Espírito da verdade” é porque o nomeia pela função que exerce, e que consiste em guiar ao homem “até a verdade completa”, coisa que Jesus deseja que seja para sempre.

vv 18-19 Não os deixarei órfãos: voltarei a vós. Dentro de pouco o mundo há não me verá, mas vós se me vereis, porque eu vivo e também vós vivereis.

Ao dizer “voltarei a vós”, revela Jesus sua identidade com o Espírito Santo . Se pôs sobre ele o Espírito e o ungiu, e a partir de então foi Jesus o Cristo manifesto, pleno do Espírito de Deus, que agora se ausentará do mundo. Mas ninguém ficará órfão, porque a semente semeada de cada homem, poderá culminar em sua frutificação merce à unção do Espírito. Disseminado em muito, o Espírito de Deus será em cada homem que o “recebe”, o outro Paracleto, o que o auxiliará para dar à luz, nele, ao nascimento interior, oculto, do Cristo. isso significa “voltarei a vós”.

Quando Jesus, o Cristo manifesto, seja glorificado por conta de sua morte e ressurreição, será “visto” pelos que o amam, mas não só em umas aparições exteriores tal como explica a exegese manifesta, senão sempre, porque a presença do Cristo oculto é inesgotável nos que alcançam a Vida eterna que os traz a unção do Espírito, e “estão vivos como ele”.

v 20 Aquele dia compreendereis que u estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós.

A locução “aquele dia” não é uma expressão de ordem cronológica (v. Dia), senão uma maneira de designar o acesso à luz da Glória do Pai e do Filho. Ademais da Vida eterna, ali está o conhecimento da unidade perfeita do Pai, o Filho e o espírito do homem. A unidade perfeita consiste em que o espírito do homem é perfeitamente uno no Filho, como o Filho é perfeitamente uno no Pai. O conhecimento perfeito dessa unidade está reservado aos que o Espírito ungiu. Eles, convertidos em Cristo oculto, descobriam sua unidade perfeita com o Cristo manifesto.

v 21 O que recebeu meus mandamento e os guarda, esse é o que me ama; e o que me ame será amado do Pai; e eu o amarei e me manifestarei nele.

Que o amor ao Filho consistem em receber e guardar seus mandamentos, é fácil de entender, porque seus mandamentos se fundam na unidade que nasce do amor; por isso se entende também que é o amor ao Filho o que engendra o receber o amor do Pai. Mas resulta menos comum, ainda que não menos certo, que quando o homem ama ao Cristo interior, oculto, o Filho se manifesta nele.

Isto de que Cristo oculto é um desconhecido para o que amam o mundo e se manifesta para os que o amam e guardam sua palavra, é o motivo da pergunta que depois formula o discípulo Judas — não Iscariotes —. O que sem dúvida quer dizer Jesus é que o que ama ao Filho que permanece oculto em seu si mesmo, e guarda sua Palavra que nele foi semeada, alcançará que a Glória do Pai e do Filho se manifestam nele, posto que “não há nada oculto se não é para que seja manifesto”.

Esta é a manifestação do que era oculto e logo manifesto para o que ama, ainda que se siga sendo oculto para o mundo. A ordem é esta: primeiro vem a doutrina do que pensa que não há nada oculto, senão tudo manifesto; depois vem a intuição do oculto e o buscar-lhe, e por último, por causa do amor do Filho, o que era oculto se manifesta.

Isto é o que afirma Jesus a respeito da Glória do Pai e do Filho. Sua morada é preexistente no homem, mas oculta, ignorada por muitos, como a pedra angular que foi desprezada. Logo, o que o ama e guarda sua Palavra descobre o oculto, ao final, e o que faz manifesto, e isto é reputado como “vir”, ainda que já estava.

Por isso diz Jesus:
“Meu Pai o amará
e veremos a ele,
e faremos morada nele” (v. 23).