Dionísio o Areopagita — A Hierarquia Eclesial
Tradução anotada em português por Antonio Carneiro, da versão francesa de M. de Gandillac
A Hierarquia Eclesial
Capítulo 6
I Das ordens que formam os iniciados1
§ 1. Tais são então as ordens sacerdotais, suas funções, seus poderes, suas operações, suas consagrações. É preciso descrever agora as três ordens que formam os iniciados que lhes são subordinados2.
Dizemos então que a ordem dos purificados é constituída pela multidão de todos que são excluídos do santo ministério e das operações sacramentais e as quais já foram mencionadas, de início aqueles que os ministros3 ainda não acabaram de instruir e de formar de modo que o ensinamento das Escrituras Santas, como um parteiro, fez nascer a vida neles; em seguida vem aqueles que continuam a receber o excelente ensino das Escrituras que deve lhes trazer para a santa vida de onde eles se separaram; pois os covardes que se impressionam ainda com os espantalhos do adversário e que o poder das Escrituras Santas está em vias de se afirmar, após eles, aqueles que ainda estão sobre a via que lhes fará passar do pecado as operações da santidade; enfim aqueles que, ainda que convertidos, não estão ainda enraizados de maneira perfeitamente pura nos hábitos divinos e imutáveis.
Tais são as ordens que formam os purificados, submetidos ao poder parturiense e purificador dos ministros. Graça, com efeito, aos poderes sagrados, os ministros os santificam de modo que perfeitamente purificados, possam aceder à contemplação iluminadora e à comunhão dos sacramentos os mais capazes de iluminar.
§ 2. A ordem intermediária se compõem daqueles que contemplam certos mistérios e que, perfeitamente purificados, entram em comunhão com esses mistérios na medida de suas forças. Esta ordem foi confiada aos sacrificadores4 a fim de que eles se iluminassem. Está claro, com efeito, creio, que, purificados de toda mácula profana, tendo fundado sua inteligência sobre bases santas e imutáveis, os membros desta ordem se elevam pelo intermédio dos sacrificadores até a possessão estável da faculdade contemplativa; que eles participem tanto quanto puderem nos diviníssimos símbolos; que estas contemplações e estas comunhões os preencham de uma alegria totalmente sacra; que eles se elevem em fim à medida de suas forças e graças à seus poderes de ascensão espiritual até o amor divino dos mistérios os quais eles possuem já o conhecimento.
Esta ordem, eu a chamo de povo santo, pois está submissa à uma purificação total e agora é digna de se iniciar santamente e de comungar, tanto quanto possa fazer sem sacrilégio, aos mais luminosos sacramentos.
§ 3. Mas, de todas as ordens de iniciados a mais elevada é a santa legião de monges. Ela é inteiramente purificada de toda mácula. Nada limita sua liberdade de ação, que é inteira e sem mistura. Tanto quanto ela possa sem sacrilégio, ter sido admitida à contemplação intelectual e À comunhão de todos os mistérios sagrados. Submetida aos poderes aperfeiçoadores dos grandes padres 5 , esses homens de Deus, cujas iluminação e tradições hierárquicas os iniciam segundo suas aptidões às santas operações sacramentais, ele se eleva graça à este conhecimento sagrado e segundo seus próprios méritos até a mais alta perfeição. É porque nossos divinos mestres, julgam esses homens dignos de portar um título santo, lhes chamam tanto de servidores quanto de monges, porque eles se exercem um modo puro o culto, isto é, o serviço de Deus, e porque suas vidas longe de ser divididas, permanecem perfeitamente uma, porque eles se unificam eles-mesmos por um santo recolhimento que exclui todo divertimento de modo à tender em direção à unidade de uma conduta de acordo com Deus e rumo à perfeição do amor divino. Por isso, as instituições sagradas lhes outorgaram uma graça que os aperfeiçoa e os julgam dignos de uma certa invocação consagratoria, que não pertence ao grande padre5 (o qual intervem somente para conferir as ordenações sacerdotais), mas sim aos santos sacrificadores que são encarregados desse rito secundário da liturgia hierárquica.
II Mistério da consagração monacal.
O sacrificador fica de pé diante do altar dos divinos sacrifícios, pronunciando as palavras sagradas da consagração monacal. De pé atrás do sacrificador, o iniciado não flexiona nem os dois joelhos nem um dos joelhos; não se impõe sobre sua cabeça as Escrituras que contem o depósito da Revelação divina. Ele se contenta de ficar de pé diante do sacrificador quando este último pronuncia as palavras que misteriosamente lhe consagram o estado monacal. Tendo acabado esta consagração, o sacrificador 4 se aproxima do iniciado. Ele lhe pede de início que ele renuncie, não somente realizar, mas também à imaginar tudo o que poderia introduzir a divisão em sua vida. Ele lhe recorda enseguida as regras de uma vida plenamente perfeita, afirmando publicamente que lhe necessitará ultrapassar todas as virtudes de uma existência medíocre. Quando o iniciado formalmente subscreve seus compromissos, o sacrificador marca o sinal da cruz, depois lhe corta os cabelos invocando as três Pessoas da divina Beatitude6.
Tendo em seguida despojado inteiramente de suas vestes, lhe impõe um novo hábito7. Seguido enfim por todos os outros sacrificadores presentes à cerimônia, lhe dá o beijo da paz8 e lhe confere o poder de tomar parte nos mistérios da Tearquia9.
*DA CONTEMPLAÇÃO
- Neste capítulo se explica o rito da tonsura e profissão monástica. Cf. R.Roques, Elements pour une théologie monastique selon Denys l’Areopagyte: “Théologie” 49 (1961) — 283-314. Resume o tema das ordenações e logo trata das purificações dos anjos.[↩]
- As três ordens inferiores: penitentes, possessos e catecúmenos. A estes são chamados de “não-iniciados”. Os iniciados (ou batizados) foram já classificados conforme o modo geral da triple via: purgativa, iluminativa e de perfeição.[↩]
- “diáconos” na tradução espanhola[↩]
- “sacerdotes” na tradução espanhola.[↩]
- “bispo” na tradução espanhola.[↩]
- Neste capítulo se explica o significado da tonsura. A invocação da Santíssima Trindade, como nos demais sacramentos, equipara o sacramental da tonsura monacal com os demais sacramentos.[↩]
- A mudança de vestimentas, ou melhor, a imposição do hábito, como é costume dizer, tem um valor simbólico de conversão para vida perfeita. Cerimônia na mesma linha do batismo, donde também tem simbolicamente mudança de vestes. Expressão de que a vida de monje, forma visível de vida perfeita, é consequência lógica do batismo, chamada de semente de perfeição cristã.[↩]
- O beijo da paz, tal como interpreta o texto em continuação, é outro signo mediante o qual a tonsura monacal e a tomada de hábito se equiparam praticamente à ordenação sacerdotal.[↩]
- À cerimônia que teve lugar depois das leituras, segue a Eucaristia. O cerimonial da “consagração” de um monge nos faz ver duas coisas: antes de tudo, o desenvolvimento da vida monástica que supõe o autor desta obra. O qual era um fato em fins do século V e sobretudo no VI no Oriente bizantino e ainda no Ocidente, por exemplo, na Irlanda. Aliás, isto faz pensar que o autor foi um monge pelo realce que dá à profissão monástica. Praticamente, toda sua obra parece concebida em função da vida religiosa, “estado de perfeição” individual em comunidade conventual como é o bispo na comunidade de todos os “iniciados” ou batizados.[↩]