Evangelho de Tomé – Logion 87

Pla

Jesus disse: Desventurado é o corpo que depende de um corpo, e desventurada é a alma que depende destes dois.

Puech

87. Jésus a dit : Misérable est le corps qui dépend d’un corps, et misérable est l’âme qui dépend de ces deux.

Suarez

1 Jésus a dit : 2 misérable est le corps qui dépend d’un corps, 3 et misérable est le corps qui dépend de ces deux.

Meyer

87 (1) Jesus said, “How miserable is the body that depends on a body, (2) and how miserable is the soul that depends on these two.” [Cf. Gospel of Thomas 29; 112]

Canônicos

[Buscai primeiro o reino de Deus]

mt.6.25 δια [BECAUSE] τουτο [OF THIS] λεγω [I SAY] υμιν μη [TO YOU,] μεριμνατε τη [BE NOT CAREFUL] ψυχη υμων [AS TO YOUR LIFE,] τι [WHAT] φαγητε [YE SHOULD EAT] και [AND] τι [WHAT] πιητε [YE SHOULD DRINK;] μηδε τω [NOR] σωματι υμων [AS TO YOUR BODY] τι [WHAT] ενδυσησθε [YE SHOULD PUT ON.] ουχι [NOT] η [THE] ψυχη [LIFE] πλειον [MORE] εστιν [IS] της [THAN THE] τροφης [FOOD] και [AND] το [THE] σωμα [BODY] του [THAN THE] ενδυματος [RAIMENT?] (Mt 6,25)


Comentários

Roberto Pla

O que o logion diz “em enigma” com seu deliberado ascetismo verbal é que o corpo do homem é desventurado porque depende da deficiência natural do corpo, e que a alma também é desventurada porque depende das condições que o corpo lhe impõe, além da deficiência que lhe é própria e que sofre como alma.

Claro que as deficiências do corpo e da alma são distintas, pois a da alma tem salvação pelo exercício da assimilação em liberdade à plenitude do espírito, e a do corpo vem constituída em sua natureza e resulta irremissível.

Na verdade, nada há no texto dos evangelhos canônicos que permitisse a distinção gloriosa que alcançaria o corpo segundo a doutrina eclesial da ressurreição da carne. Ao contrário, o evangelho diz: “Onde está o corpo, ali também se reunirão os abutres”. É fácil entender que com esta referência à ação das aves rapaces se descreve a obra devoradora do tempo que é por todos conhecida. Mas alguns viram além do mais uma pulverização do cadáver ordenada por Deus para reconstruir depois o corpo e levá-lo a participar, em sua glória, segundo a interpretação de um texto de Isaías: “Trarei a meus filhos de longe … a participar da glória do Senhor”.

Certo que o evangelho não diz isso, senão algo condenatório para o corpo: “ali … se reunirão os abutres”. Desta vez, a exegese manifesta fez sua incursão própria e creu ver algo “oculto” que não havia sido dito, mas que resultou utilizável para injetá-lo no manifesto. E nada há que opor a isto, posto que este escrito nosso não se ocupa da vertente manifesta do evangelho, senão somente da vertente oculta. Resta, portanto, acompanhar com um sério respeito o fruto de uma opinião.


No que respeita ao corpo, ocorre que o homem de concepção manifesta, só reconhece a totalidade de si mesmo quando em tal totalidade está incluído o corpo, com o qual sua consciência se acha identificada. Mas esta consciência, com efeito, do homem não é outra coisa mais que uma combinação de elementos psíquicos — a alma — e o corpo, uma mescla de duas substância não semelhantes de onde emerge uma consciência única de condição psicossomática, que é síntese de ambas substâncias.

Para a consciência psicossomática, a morte do corpo não é outra coisa que “morte”, pois este é o exato sentido da ruptura com o corpo, quando se estabeleceu com ele um vínculo de identificação, de dependência pelo apego. Para umas mentes de concepção manifesta, a ruptura poderá ser imaginada como definitiva, e para outras, também de concepção manifesta, suposta como transitória. Neste último caso os que pensam que sobrevém depois é uma longa espera da alma em solidão corporal, com a esperança de após o juízo, e uma vez concluído o exílio, seja restaurada a integridade perdida.

Não é esse o caso para o homem de concepção oculta, concepção a qual chegou não por opinião, senão porque não se identifica com seu corpo. Ele não “é” seu corpo, “tem” seu corpo; a tenda para ele construída pelo Senhor e que é “mais que o vestido” mas dentro dessa ordem de coisas.

A consciência do homem de concepção oculta não psicossomática embora o afetem os acontecimentos do corpo e em muitos momentos se identifique fugazmente com eles. Sua consciência é unicamente psíquica, embora as vezes com vislumbres de pneumática se é que começou a prender nela a essência sobre a qual se deslizam os movimentos internos da alma, o “sopro” cuja voz é ouvida, “mas que não se sabe donde vem nem aonde vai” (Nascer do Alto).

Em muitas ocasiões este homem, sem que isso suponha desassossego, chega a dizer: “Quem me livrará deste corpo que me leva à morte?”. Isto o diz porque “sabe” que a morte é só morte do corpo e de tudo o que a ele está aderido por identificação errônea.

É a identificação que traz a ruptura. Sem identificação a dor da morte se atenua ou desfalece do todo, pois a morte é menos morte uma vez que tenha sido privada de seu pior aguilhão: o apego, as identificações. Em verdade, este homem de concepção oculta pode dizer com Paulo Apóstolo: “Enquanto habitamos no corpo, vivemos longe do Senhor”. E quando se experimenta esta nostalgia de viver longe: “Preferimos sair deste corpo para viver com o Senhor” (2Cor 5,6-8).

As diferenças entre a concepção manifesta e a oculta, tem uma réplica paralela na interpretação do relato da morte de Jesus na cruz (vide Calvário).

A exegese de Roberto Pla se encaminha então por uma hermenêutica da morte de Jesus na cruz levando em consideração o Apocalipse de Pedro, o Apócrifo de João e o Segundo Tratado do Grande Set.