Eckhart Sermão 9 (comentário)

Ancelet-Hustache

Eckhart desenvolverá apenas a última parte do texto latino que escolheu: “O que é Deus e o que é o templo de Deus?” “Vinte e quatro mestres se reuniram para falar sobre o que é Deus.” Esse é o Liber 24 philosophorum do pseudo-Hermas Trismegitus, que Mestre Eckhart cita várias vezes em suas obras em latim. Dos três textos desse livro que ele cita aqui de forma muito aproximada, ele seleciona o segundo que atende à sua intenção: “Deus é aquilo que está necessariamente acima do ser, que não precisa de ninguém e do qual todas as coisas precisam”. Deus está em todas as criaturas, e aquilo que está em muitas coisas deve necessariamente estar acima delas. Portanto, a humanidade está acima dos homens, e o ser está acima de todas as coisas existentes. Para confirmar sua afirmação, o pregador usa o exemplo da alma indivisa em todas as partes do corpo.


O leitmotiv de todo o sermão, ao qual algumas passagens se referem mais ou menos diretamente, é que Deus não é um “ser puro” (actus purus), como dizem alguns mestres de “mente grosseira”. No entanto, o equívoco só pode estar na mente dos juízes, pois Mestre Eckhart acrescentaria nesse mesmo sermão: “Quando eu disse que Deus não era um ser e que ele estava acima do ser, não lhe neguei o ser; pelo contrário, atribuí a ele um ser superior”.

Os mestres subordinados (kleine meister, mestres das artes) ensinam que todos os seres são divididos em dez categorias (as dez categorias de Aristóteles), e que Deus não tem nada em comum com nenhum desses modos de ser, nem é privado de nenhum deles”. Esse não é um simples jogo dialético, como explicaremos a seguir: Deus os possui, mas não de acordo com o modo das criaturas; eles são idênticos ao seu ser, Deus contém em si as “imagens” ou arquétipos de todas as coisas criadas.

Deus não é nem ser nem bondade. A bondade está ligada ao ser e não é maior do que o ser, pois se não houvesse o ser, não haveria a bondade, e o ser é ainda mais puro do que a bondade.” Retomando a comparação que já havia usado, Eckhart acrescenta: “Qualquer um que dissesse que Deus é bom estaria falando tão mal dele como se dissesse que o sol é negro”.

A Bula reteve esse texto apenas no apêndice, com uma variante (ac si ego album vocarem nigrum), como tendo sido censurado a ele, sem afirmar que ele o ensinou.

O desenvolvimento seguinte apenas aparentemente refuta o anterior. O que é bom é o que é comunicado: o sol dá sua luz, o fogo seu calor, mas eles permanecem em si mesmos, “mas Deus comunica o que é de si mesmo porque ele sempre se dá primeiro”.

Assim, Mestre Eckhart lidou com a primeira pergunta que fez: O que é Deus? Agora ele chega à segunda parte de seu discurso: O que é o templo de Deus?

O ser é a corte de Deus; o intelecto é o templo de Deus.

A alma, que possui vários poderes, também possui uma gota de intelecto (diu ein tropfelîn hât vernünfticheit); isso a capacita a imaginar coisas que não são e, ao fazê-lo, “opera no não-ser e segue Deus que opera no não-ser”. Para Reiner Schürmann, esse “unwesene” (literalmente não-ser) designa “a escuridão onde a ação da alma está unida à ação de Deus… No unwesene da Deidade, a atividade das profundezas da alma é idêntica à atualidade de Deus”.

“A alma que ama Deus o leva sob o manto da bondade (já encontramos essa expressão); ao contrário, o intelecto despoja Deus desse manto e o leva para aí, onde é despojado da bondade, do ser e de todos os nomes”. Eckhart não usa a palavra Deidade (gotheit) aqui, mas entendemos pelo contexto que se refere à mesma realidade divina aqui e lá.

O pregador então se refere à disputa que teve com o representante de outra escola, que os críticos supõem ser o Mestre Geral dos Franciscanos, Gonsalve de Balboa. Encontramos essa “dupla”, esse “duelo” entre a vontade e o intelecto em muitas ocasiões, com os escoceses geralmente dando prioridade à primeira e os tomistas à segunda. Às vezes, vemos Mestre Eckhart oscilando entre os dois. Geralmente, porém, permanece fiel à sua escola dominicana.

Eckhart expressa a opinião de que a beatitude reside no conhecimento, não na vontade. “Não sou abençoado porque Deus é bom. Tampouco quero que Deus me faça feliz por causa da bondade, pois ele não gostaria de fazer isso. Sou abençoado apenas porque Deus é intelecto e reconheço isso.

O mestre repete as palavras de seu texto: Quasi stella matutina. A pequena palavra “quasi”, que as crianças na escola chamam de advérbio, Eckhart nos diz aqui que a tem em mente em todos os seus sermões: o homem deve de fato ser um advérbio da Palavra.

“No sermão alemão Quasi stella matutina, Eckhart distingue três modos de “verbo”: entre o verbo-criatura (vürbrâht wort) e o Verbo no Intelecto paterno (unvürbrâht und unbedâht), ele introduz um verbo pensado e produzido (bedâht und vürbrâht), que é o princípio do conhecimento humano. É provavelmente a presença exemplar da Palavra divina” (Vladimir Lossky).

Outra comparação: o homem deve estar constantemente presente a Deus, assim como a estrela Vênus segue o sol em seu curso de manhã e à noite, “como a lua cheia em seus dias, quanto mais longe ela está do sol, mais ela diminui”.