Salmos Caminhos

SALMOS — CAMINHOS

Excertos de André Chouraqui, Louvores

Desde o início somos colocados diante de um mundo que exclui a indiferença. Há dois caminhos. Não três ou quatro ou quantos se quiserem. Somos advertidos: o mundo está partido em dois. A escolha se faz necessária; ela é a exigência e o risco dessa ruptura. A poesia não é senão o ornamento do ensino: o caminho das Trevas e o caminho da Luz dividem entre si a universalidade do real. Estamos no limiar de uma ciência que se sabe a mais verdadeira e se quer a mais exaustiva.

Dois caminhos desiguais e inimigos, mas que coexistem no tempo e no espaço onde definem a fronteira de uma guerra; sobre essa linha se inscrevem os dilacerações da História. Somente a plenitude dos tempos, a realização das promessas messiânicas poderão fazer cessar o mortífero combate do qual o inocente é refém.

O Saltério é assim o memorial da história de Israel, o livro das libertações universais. Cada salmo é concebido como um ato e uma ilustração de um drama que começa nos primeiros dias da Criação, se desenrola nos exílios e nos calvários da História, para culminar na glória e na parúsia. Sua cena é o universo inteiro: os céus, a terra, os abismos do inferno; o tempo junta-se à eternidade e a ação se desenrola do começo ao fim do mundo. Um escritor sublime anima esse drama cujo propósito é a realização e a libertação do homem. Os dois atores desse duelo, nas fronteiras da vida e da morte e que se defrontam do começo ao fim, são o inocente e o revoltado.

Ambos dizem não. Um recusa o caminho da Luz; o outro, as Trevas. Um diz não à iniquidade do mundo; o outro, à perenidade de YHWH Adonai. Essas recusas se situam na origem da tragédia. O conflito de duas negações contraditórias, que uma liberdade permite, define o eixo em que o horror ataca e fere a alegria.

Eis a mais poderosa intuição dos Salmos, a articulação de toda a revelação bíblica: os dois caminhos não se equivalem. Não é indiferente encerrar-se nas trevas ou abrir-se à luz; pois Elohims, o onipresente, é por essência o juiz. Seu trono está fundado sobre a justiça, seu olhar abarca a criação inteira, penetrando o mais íntimo; ele vê tudo, é o Senhor de tudo: nada pode escapar à sua jurisdição. Ele é, como veremos, o pai do inocente, atacá-lo é haver-se com ele. Inimigo da vida, o revoltado condena-se à morte.

O julgamento de YHWH Adonai se faz a todo instante e diz respeito a todos os viventes. O salmista não se cansa de explicar-nos o admirável processo, o funcionamento do tribunal da onipotente justiça. Uma única ideia parece comandar a metafísica do código celeste: o homem é o que ele quer ser. Ele se identifica ao que ama e a resposta à sua única questão, ser ou não ser, vem dele e se inscreve para ele nas balanças da eternidade (109,17-18).

Potência das trevas, o criminoso parte nas trevas; sua cegueira o conduz ao lugar desprovido de louvor e de esperança, ele é devorado na pavorosa noite do Sheol (Xeol), o inferno bíblico. Uma lei implacável o condena ao aborto, seu impulso o precipita no abismo que ele cava.

No livro de YHWH Adonai tudo tem um sentido; o mundo do salmista é aquele de uma plena significação; tudo é ordem, peso, signo, consequência. Mas vê-se claramente que o revoltado vive e perece no absurdo. Ele pode prosperar, triunfar, demonstrar, mortificar e vencer: nada lhe restará, nem mesmo o amargor de sua desordem. Prisioneiro do nada, o diamante das justiças o encerra em si mesmo: ele é pego na rede onde acreditava pegar. Como um animal furioso, debate-se nos laços que ele próprio preparou. Sua negação o anula, seu ódio, sua gordura o sufocam; dos ecos do infinito nada recebe senão o que emite: o ser odeia quem o odeia, zomba de quem o escarnece, anula quem o nega. O revoltado distribui e recebe o desprezo. Privado do amor, não capta senão o que emana dele mesmo: não pertence à vida.

Ele acumula as riquezas: conhecerá o despojamento, a fome, a sede. Ele crê em si mesmo: será a presa dos vermes do Shéol. Os dentes que dilaceram serão quebrados e triturada a mandíbula que mata. O chifre elevado será cortado. Aquele que cavava um fosso para o inocente, que pensava jamais vacilar, é impelido pelo anjo ao caminho escorregadio e tenebroso… A morte é o verdadeiro pastor dos criminosos.

Para seu castigo, YHWH Adonai surge como um homem de guerra. Os julgamentos individuais ou coletivos cujo relato os Salmos nos oferecem não são senão a imagem, a prefiguração do último julgamento que consumará a derrota do revoltado. Também o caminho das trevas se orienta para esse ato definitivo: em sua onipotência, YHWH Adonai aparece para exercer a justiça do pobre e do inocente, da viúva e do órfão, para libertar seus amantes do reino das trevas: a terra treme, as montanhas se agitam, as águas transbordam, o dilúvio se espalha, os céus se abrem, o fogo do céu vem castigar a iniquidade; as hierarquias de anjos conduzem o gládio. O javali das florestas, o animal dos juncos, o búfalo, a Hidra fabulosa, o Leviatã terrível perecem sob o veredicto de YHWH Adonai. O revoltado, confrontado à ordem real do mundo, é reconduzido à sua cova para a eterna infâmia. E nessas perspectivas que é possível compreender a antiga maldição: “Quem arde sem razão contra seu irmão é passível de julgamento; quem diz a seu irmão: ‘Raqa’, ‘Vadio’, é passível do Sinédrio; e quem lhe diz: ‘Louco’ é passível do fogo da Geena” (Mt 5,22). Pois todo homem traz em si o rosto do revoltado.

O sangue marca assim o término do caminho de iniquidade. Ele é o ponto onde culmina o confronto do inocente e do criminoso; o sangue de um, que as mãos do outro espalham, barra o acesso do caminho da eternidade. Uma mancha vermelha entre as trevas e a luz, e que introduz uma ruptura de continuidade na unidade do real. Uma intervenção sobrenatural, um salto tornam-se doravante necessários para transpor esse abismo entre dois abismos.