necessidades

[…] a necessidade é subjetiva, tem o peso, a gravidade da existência infinita que a carrega, também a simplicidade e a transparência da vida absoluta no seio da qual ela se revela. Por ser subjetiva, a necessidade não tem mais a inocência de um movimento da matéria, pois não é um simples deslocamento transcendente que poderíamos considerar, de certo modo, neutro do ponto de vista espiritual, ela se oferece às categorias da ética. Os corpos serão julgados. Quando se reduziu os desejos a inclinações inatas, ou quando se faz deles o simples correlato de modificações orgânicas, retirou-se da existência humana tanto seu conteúdo efetivo e concreto quanto a qualificação própria que ela assume num modo definido de sua intencionalidade e de sua vida. Não é no plano das ideias abstratas, é no das [268] necessidades que se desenrola realmente nossa existência. Eis porque a satisfação ou não satisfação de nossas necessidades e, mais profundamente, a maneira pela qual se realiza ou não essa satisfação têm tanta importância na vida de cada indivíduo quanto na dos grupos humanos.

Denominam-se geralmente as necessidades do corpo de necessidades materiais. A teoria do corpo subjetivo nos mostra o que se deve pensar a respeito de tal terminologia, que não deriva só da ontologia ingênua, mas também de certo número de concepções morais que, ainda que ligadas à semelhante ontologia, assumiram valor próprio e tiveram grande desenvolvimento. A designação da vida corporal como vida material se dá com frequência como protesto contra a filosofia intelectualista e idealista em geral: ela é antes sua consequência. Afirmar a importância da vida “material” por oposição à vida espiritual de um sujeito descarnado e de uma subjetividade abstrata é se opor ao idealismo tradicional. Chamar de material essa vida corporal, que se considera a justo título por elemento decisivo da existência humana, é ter a respeito do corpo a mesma concepção ontológica que tal idealismo e, de maneira geral, que a filosofia de origem helênica. Na medida, porém, em que ela reconhece a importância primordial das necessidades “materiais”, isto é, da vida corporal em geral, toda doutrina materialista assume, aos olhos da filosofia do corpo subjetivo, importância decisiva. O materialismo só poderá receber seu pleno desenvolvimento, contudo, e em particular, trazer às ciências humanas a vasta contribuição que elas podem legitimamente esperar dele, quando for interpretado à luz dos resultados da análise ontológica do corpo e, de maneira mais geral, da filosofia do corpo subjetivo. (MH2012)