Segundo Relato 3,21

Paul NothombO SEGUNDO RELATO
VIDE: Túnicas de Cego [PNTA]

Gen 3,21 E Deus fez fazer ao Homem e a sua mulher túnicas de cego e delas os vestiu.

Diante da reação «otimista» do Homem e o silêncio da Mulher, Deus se apercebe que suas tentativas de dissuasão fracassaram. Longe de desencorajar os insensatos, ele os encorajou de certa maneira. Se deixaram de estar confiantes sobre o de sua aventura — que não se desenrolará sem ramificação — eles estão errados de se fazer ilusões sobre a sinistra sub-realidade da «condição humana» à qual eles aspiram se deixar levar, crendo poder aí manter-se sobre a superfície. Deus adivinha que aí escorrerão sem cessar, eles e seus descendentes, na agonia da morte. E tem piedade deles. E não os fulmina, não lhes dirige nenhuma reprimenda, mas tem um gesto que mostra ao mesmo tempo que se inclina diante de sua vontade, que os protege tanto quanto pode sem contrariá-la, e que denuncia sua loucura, sua cegueira. Ele lhes faz, diz o texto, ele lhes faz fazer túnicas — de pele segundo nossas bíblias, mas de qual pele, de qual animal esfolado no Éden? — cuja matéria importa pouco, mas cuja significação ao contrário é capital. Ela está aí gravada nas três consoantes hebraicas que os qualificam no texto CWR, grafia que se pode ler «pele» mas também «cego». E certamente, se depois de milênios, o texto imutável revela enfim porte impressionante desta possível leitura, é que ela aí estava desde sempre. O relato testemunha assim desde sempre que Deus, em vestindo nossos primeiros pais, e nós por procuração, de «túnicas de cego» não somente os protegeu a princípio de sua cegueira da Realidade de sua origem, que perderam de vista depois que tiveram os «olhos abertos», mas designados à posteridade, aos futuros leitores deste relato, deste texto como de falsos «videntes», que que não se deve acreditar, nem sobretudo imitar.