Véu do Santuário Rasgou

CALVÁRIO — VÉU DO SANTUÁRIO RASGOU (Mt XXVII, 51-53; Mc XV, 38; Lc XXIII, 44-45)

Então o véu do santuário se rasgou em dois, de alto a baixo. (Mc 15:38)
E eis que o véu do santuário se rasgou em dois, de alto a baixo; a terra tremeu, as pedras se fenderam, os sepulcros se abriram, e muitos corpos de santos que tinham dormido foram ressuscitados; e, saindo dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa, e apareceram a muitos. (Mt 27:51-53)

Era já quase a hora sexta, e houve trevas em toda a terra até a hora nona, pois o sol se escurecera; e rasgou-se ao meio o véu do santuário. (Lc 23:44-45)


PERENIALISTAS
Marco Pallis: VÉU DO TEMPLO

Roberto Pla: Evangelho de ToméLogion 68
O desígnio do Caminho previsto para a alma deve culminar nesse lugar do Calvário onde ao final se eleva a Cruz que a alma tomou sobre si, e onde a elevou voluntariamente. Nessa morte ou crucificação da alma que se negou a si mesma, está a verdade da Boa Nova, esse não ser mais que um lugar vazio, que pede o logion. Desta humildade ou negação (vide Renuncia) da alma que faz possível o nome divino (vide Nome) e com ele o resgate do Espírito, até então cativo ao outro lado da consciência, fala o Magnificat entoado por Maria : “Engrandece minha alma ao Senhor, e se regozija meu Espírito em Deus, meu Salvador (vide Miriam).

As passagens do evangelho onde se narram os acontecimentos “manifestos” da morte de Jesus são, em muitos pontos, figura “oculta” do ato bem-aventurado da morte voluntária da alma e da ressurreição imediata do Cristo interior. Uma vez consumada a morte de Jesus, que pode ser entendida ademais como figura “oculta” da cessação da alma, quando esta fica limpa de conteúdos impuros, graças à negação insistente de si mesma, relatam, Mateus e Marcos que: “o véu do Santuário se rasgou em dois, de cima abaixo”. Isto quer dizer que no íntimo desse corpo que é qualificado de templo do espírito, é onde se rompe a tênue lâmina de ignorância, que impede a comunicação das duas esferas, terra e céu, em que aparece dividido o cenário gnoseológico do universo.

De baixo para cima não pode romper o véu — nem se romperá jamais nessa direção apesar dos esforços que possam fazer muitos por consegui-lo — porque a alma, nascida de abaixo, tem que chegar antes de tudo, segundo o relato “oculto”, à vacuidade (nadidade) da humildade perfeita. Os componentes psíquicos salvos depois da intensa katharsis, estarão então já como virgens com sua lâmpada acesa, em passiva expectativa da vinda do esposo.

O véu, que como um firmamento de bronze cinge entorno ao interior do homem os limites da alma e a impede contemplar a luz eterna, se rasga ao final; mas sua ruptura total não é obra que deva ser encomendada à alma, senão que é ao Espírito, o qual com sua chuva de fogo (conhecimento) faz possível a purificação da alma, a quem corresponde deixar cair o véu sutil que separa a luz do conhecer, do reino da sombra. Desde sua mansão de “acima” desce o espírito sobre a alma, desbordada de si mesma, estática em sua cessação, em seu “não ser nada” e o Espírito toma sobre si, como butim para o Filho de Deus, o Resto purificado, convertido em outro provado, no último gesto da alma que foi alma e agora é “alma da alma”, quer dizer, Espírito de Deus.

Daí vem a ressurreição dos mortos que se opera no espírito cativo, isto é, ignorado, e que o leva à liberdade depois de celebrar as bodas sagradas com a alma; daí vem para a alma do homem prudente que confronta com , conhecimento e virtude o ódio e a perseguição do mundo por causa do Filho do Homem, a redenção que em cumprimento do evangelho que explicou Jesus, a conduz à última e definitiva bem-aventurança, seu verdadeiro lar eterno (vide Bem-aventurados quando vos injuriarem).

Evangelho de ToméLogion 81
No evangelho joanico a “túnica sem costura” de Jesus, da qual só no último momento é despojado Cristo, túnica inconsútil, tênue, leve, pura, substitui ao Véu do Santuário que se menciona nos sinópticos. É possível que o evangelista João pretendesse descarregar seu texto da tradição sagrada judaica que supunha a ruptura do Véu do Santuário, mas o rastro do relato sinóptico é perceptível na sobrevivência da locução “de cima a baixo” empregada ao descrever a túnica.

Verdade de Deus protegida pelo Véu, Filho do Homem só visível pela túnica de linho, o Cristo manifesto em sua realeza espiritual que cavalga sobre um jumentinho incontaminado (Domingo de Ramos), são três formas testamentárias de descrever a “Vinda”, a entrada sagrada, solene e triunfal em Sião do Rei da Glória (VINDA DO FILHO DO HOMEM).

De qualquer forma, quando o Véu do Santuário se rasgou de cima a baixo, quer dizer, desde a Glória de Cristo até o templo terrestre, para que os homens pudessem contemplar o fulgor de seu Eu Sou, o centurião e os que com ele estavam, que jamais haviam visto o véu, não souberam que se havia rasgado, porque era impossível vê-lo ao pé da cruz, algo devem ter pressentido, posto que disseram: “Verdadeiramente este era Filho de Deus”.