CLAUDE TRESMONTANT — PAULO DE TARSO
VIDE: CARTAS DE PAULO E GNOSTICISMO
As primeiras cartas que possuímos de Paulo datam de 51, isto é, uma quinzena de anos após a sua conversão. São as cartas aos Tessalonicenses. Mas Paulo já havia fundado numerosas igrejas.
Não encontramos nas cartas de Paulo senão elementos de seu pensamento e de sua fé. Paulo escreve às comunidades que “plantara” em circunstâncias especiais, a fim de responder a necessidades particulares. Entretanto, não deixa de ser verdade que Paulo sabe fazer brotar desses problemas singulares ensinamentos de alcance universal.
Nessas cartas, Paulo supõe já conhecidos, na maioria das vezes, os fundamentos da doutrina ministrada oralmente quando da criação de tais comunidades. Por escrito, restringe-se, portanto, apenas a completar, repetir ou explanar um ensino oral de base. Deparamos, por vezes, em certas passagens das Epístolas, um eco dessa doutrinação inicial: Em primeiro lugar, vos transmiti o que eu mesmo recebi, a saber, que o Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, que foi sepultado e que ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras… (texto citado, I Cor. 15). Recorda aos Gaiatas haver descrito a seus olhos o Cristo crucificado. (Gal. 3, 1) Isto são apenas rudimentos da doutrina, o “leite” dado aos recém-nascidos no Cristo.
Per conseguinte, não é possível reconstituir, a partir dos textos que nos restam, a totalidade sistemática da teologia de São Paulo, que vem a ser a da Igreja. Paulo viu, por certo, o Cristo ressuscitado, de quem recebeu diretamente o Evangelho, mas herdou também uma “tradição” da Comunidade apostólica primitiva. Por outro lado, o pensamento de Paulo exerceu influência na redação dos Evangelhos.
Nem tampouco é possível, pelas mesmas razões, reconstituir o que teria podido ser “a evolução” do pensamento paulino. O essencial de sua ciência foi-lhe dado no encontro com Cristo. Os grandes textos cristológicos das Epístolas do Cativeiro (Colossenses, Efésios e Filipenses) representam talvez a substância do ensinamento oral ministrado às comunidades desde as primeiras missões. Em todo o caso traduzem em parte o conhecimento revelado a Paulo pelo Cristo em sua primeira manifestação.
Vamos nos servir, pois, na exposição que se segue, dos textos das diferentes Epístolas em forma dialética, procurando agrupar temas, sem, porém, levar em conta as datas de redação das cartas, datas essas que serão mencionadas noutra parte. Não podemos naturalmente, nos limites deste opúsculo de iniciação, entrar nas discussões técnicas que permitem estabelecer datas ou lugares em que as diferentes Epístolas foram provavelmente compostas. Remetemos o leitor às introduções das traduções contidas na Bíblia de Jerusalém. (Ed. du Cerf.)
As cartas de Paulo foram ditadas. Não foram redigidas com vagar, mas ditadas por ele no tempo que lhe sobrava entre o trabalho manual e o trabalho de evangelizador. Talvez as ditasse de pé ou, então, a caminhar de um lado para outro enquanto as compunha. Também é provável que Paulo as tenha ditado enquanto tecia. As cartas trazem, em todo o caso, a marca do estilo oral. O ditado era interrompido e retomado diversas vezes quando as cartas eram longas. O próprio ato material de escrever uma carta em papiro constituía, aliás, operação longa e penosa para o escriba. Exigia inúmeras horas. Assim, uma carta longa era necessariamente escrita em vários dias, o que explica, na caso das epístolas paulinas, as descontinuidades e a falta de nexo nas explanações.
Não se deve, portanto, procurar nas cartas de Paulo nenhuma preocupação de ordem literária. Dirige-se por carta às suas Igrejas estremecidas quando longe delas. Estas cartas são cartas de amor, ardentes e ciumentas, cartas paternais, fraternais e mesmo maternais. Aos Gaiatas escreve: Meus filhos, pelos quais sofro de novo as dores do parto, até que Cristo seja formado em vós. (Gal. 4,19). Estas Igrejas, geradas por ele, constituem sua alegria, sua glória e sua coroa: Meus irmãos muito amados e desejados, minha alegria e minha coroa, escreve aos Filipenses (4, 1), e aos Tessalonicenses: Sois minha glória e minha alegria (I Tes. 2, 19). E aos Coríntios: Meus filhos bem-amados, ainda que tivésseis dez mil aios em Cristo, não teríeis contudo vários pais, pois fui eu que vos gerei pelo Evangelho em Cristo Jesus. (I Cor. 4, 14.) Na carta aos Tessalonicenses (I Tes. II, 7) Paulo se compara a uma ama: Como uma ama que se ocupa ternamente das crianças que amamenta, quiséramos, em nossa ternura por vós, comunicar-vos não só o Evangelho de Deus, mas nossa própria vida, a tal ponto vós nos sois caros.
A maneira como foram compostas as cartas de Paulo, as circunstâncias em que foram ditadas, explicam, em parte, as asperezas de sua linguagem: frases começadas e deixadas em suspenso, mudanças bruscas de perspectiva, lentidões e repetições…
Não há, portanto, de causar admiração a ninguém o fato de deparar em nossa tradução, que queremos antes de tudo literal, esses traços característicos do texto original.