BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI — TRATADO TRIPARTITE
Nossa tradução adaptada do resumo da tradução inglesa feita por H.W. Attridge e Elaine Pagels [JRNH]
THE TRIPARTITE TRACTATE (versão em inglês)
O último tratado do Códice I é um elaborado tratado teológico valentiniano, sem título, que oferece um relato de todo o processo de restituição e reintegração na divindade primordial. O texto se divide em três segmentos que contém atos maiores do drama cósmico; daí seu título moderno. A data de composição é incerta, mas parece ser meados do século III, pela aparente revisão da forma teológica valentiniana diante das críticas ortodoxas de Irineu e Hipólito. O texto apresenta afinidades com as doutrinas de Orígenes, provavelmente por recorrer a fontes similares. Especula-se que o autor provável seja Heracleon, embora haja indicações que ele se destaque acentuadamente da doutrina valentiniana original.
A primeira parte descreve a emanação de todas as entidades supernaturais de sua fonte primária. Começa com o Pai, descrito primeiramente através da via negativa como uma entidade transcendente, da qual só se pode afirmar ser única e monádica. A insistência nesta unidade do Pai distingue o texto de outros textos valentinianos que defendem uma díada masculina-feminina primordial, embora outros membros da escola de Valentim sustentem um primeiro princípio monádico.
Emanando do Pai estão duas outras entidades, o Filho e a Igreja. Outra distinção de textos valentinianos que defendem uma divindade mais complexa. O pleroma ou “plenitude da deidade” usualmente consiste de uma ogdoada, um conjunto de oito sizígias, ou pares de entidades divinas, uma década composta similarmente e uma dúzia. Ao invés desta estrutura complexa o tratado propõe apenas uma trindade.
Alguns elementos da configuração valentiniana tradicional estão retidos na descrição de componentes ou “eones” do terceiro elemento da trindade, a Igreja. A dependência da doutrina de Valentim aqui se faz clara ao descrever os problemas criados por um dos eones. Um éon feminino, Sofia (Sabedoria), tenta o impossível. Tenta produzir um fruto sem seu consorte ou tenta conhecer a fonte primária não cognoscível. Em qualquer dos casos, ela cai para fora do pleroma e produz o mundo das forças psíquicas e materiais. O agente desta ruptura no pleroma é um éon masculino, o Logos (Verbo). Sua queda, que inclui elementos das explicações tradicionais da catástrofe de Sofia, é apresentada em termos positivos, como um resultado de seu próprio “amor abundante”. É notável, estar de acordo com a vontade do Pai, procedendo do livre arbítrio do Logos, uma qualidade que todas as entidades dependentes dele compartilham.
A queda do Logos produz duas ordens de seres do lado de fora do pleroma. De sua atividade procriativa confusa e defectiva emergem forças hílicas. Quando o Logos, por sua própria iniciativa, se arrepende, ele produz forças psíquicas. As forças sobrenaturais vão ter um papel na criação do primeiro homem e na governança cósmica.
O resultado mais importante da conversão do Logos, é a geração do Salvador. Isto se dá quando o Logos se divide em dois: o si masculino retorna ao pleroma para interceder pelo si feminino. Este si melhor, juntamente com os eones que jamais deixaram o pleroma, produzem o Salvador. Este ser é chamado, por analogia com o mais alto nível de realidade, o Filho, porque o Filho revela o Pai aos eones do pleroma, o Salvador proverá uma visão revelatória àqueles fora do pleroma.
A segunda parte do tratado é muito breve e oferece uma interpretação do Gênesis 1-3. O primeiro ser humano é produzido por um lado pelo Demiurgo e por outro pelo Logos. O Demiurgo oferece os componentes psíquicos e materiais e o Logos seu componente espiritual. As três potências do primeiro ser humano serão em seguida realizadas em três classes de seres humanos no advento do Salvador.
A terceira parte do tratado focaliza as questões soteriológicas. O advento do Salvador divide a humanidade em três classes. O pneumático ou espiritual reconhece imediatamente o Salvador e a ele responde, enquanto o hílico ou material o rejeitam veementemente. Entre estes extremos o psíquico hesita, e só gradualmente vem a se associar ao Salvador. Como nos valentinianos os três tipos têm conotações sociais e políticas, sendo os valentinianos, pneumáticos, os hílicos, os não-cristãos e os psíquicos, os cristãos comuns. A descrição detalhada dos psíquicos acentua as tendências apologéticas do tratado.
Na última seção o texto retorna à questão da salvação do psíquico, esboçando um quadro escatológico, fragmentado ao final do texto, concluindo com um hino ao “Salvador, o Redentor de todos aqueles que pertencem ao uno pleno de amor, através do Espírito Santo, de agora em diante por todas as gerações para sempre”.